segunda-feira, 20 de abril de 2015

A estranha sensação de ter esquecido alguma coisa

Sabe quando você sai de casa com aquela sensação de que esqueceu de alguma coisa? Pelo menos comigo isso é bem comum de acontecer, para ser mais exato, tenho essa sensação todas as vezes que ponho o pé para fora de casa.
Na maioria das vezes é apenas impressão mesmo, mas da mesma forma a pessoa fica checando as coisas umas mil vezes para ter certeza, ainda assim a sensação não vai embora. Mas também há aquelas vezes que você realmente ver que esqueceu de algo, e acaba tendo que voltar seja lá qual distância para pegar essa coisa. E também há as vezes que você só percebe que esqueceu algo quando já é tarde demais para voltar e pegar essa coisa.
Irei contar para vocês agora um caso que ocorreu comigo desse último exemplo.
Aquele era mais um sábado como outro qualquer, ou nem tanto, minha mãe estava viajando à trabalho e só voltaria no dia seguinte, e minha irmã foi passar o dia na casa do namorado, então naquele dia almocei apenas com o meu pai.
A gente foi comer em uma pizzaria perto de casa que íamos constantemente, um daqueles restaurantes em que a pessoa vai normalmente para comer as mesmas coisas que comem nas outras vezes que vai lá. E depois do almoço eu iria direto para o meu treino de kung-fu de todos os sábados, então antes de irmos para o restaurante, eu já preparei minha mochila com as coisas que precisaria para o treino.
Certamente, depois de colocar tudo na mochila, eu chequei se tudo estava realmente lá mais umas quatro vezes. E nas quatro vezes eu concluí de que estava tudo lá. mas claro, a sensação de que eu tinha esquecido algo me martelava a cabeça. Mas a princípio eu a ignorei, apenas chequei as coisas mais uma vez só por garantia, e tendo o resultado dado o mesmo eu fui com o meu pai para o restaurante.
O local era perto, mas não perto o suficiente para ir a pé, então por isso a gente foi de carro para lá. Apesar que necessitaríamos do mesmo de uma forma ou de outra para eu ir para o treino depois.
Era meio-dia e pouco quando chegamos lá, o movimento era grande, mas ainda assim conseguimos um lugar para nos sentarmos. Nada ocorreu fora do normal após isso, o atendimento até funcionou bem para um restaurante em horário de pico, e durante todo o tempo em que ficamos lá a gente ficou conversando sobre coisas aleatórias.
O relógio marcava exatamente uma e meia da tarde quando saímos de lá, apesar de ainda ser um pouco cedo eu achei melhor ir dali direto para a federal (local onde eu treino). E comigo dirigindo dessa vez, seguimos nosso caminho.
Fomos pelo caminho mais longo para tentarmos matar um pouco de tempo para que eu não chegasse lá muito cedo, mas que mesmo sendo o mais longo, ainda assim era rápido.
Levou quase uma hora para chegarmos lá, o relógio marcava duas e meia quando desci do carro em direção ao local de treino, ainda faltava uma hora para o seu início.
Depois de me arrumar no carro, me despedi do meu pai e ele seguiu o seu caminho de volta para casa, iria aproveitar o resto da tarde para descansar um pouco já que iria em um casamento logo à noite.
Como já era de se esperar, ninguém do treino tinha chegado ainda, só havia por lá algumas pessoas que passavam pelo local e Chola, a cadela que está sempre por ali. Quando me avistou, ela veio alegremente correndo em minha direção, e eu, certamente, fiquei paparicando ela, também estava feliz em vê-la, pelo menos teria uma companhia até alguém chegar.
Depois de vinte minutos o mestre chegou, e aos poucos o resto do pessoal foi chegando, até que de três e meia, o treino teve seu início.
Pra variar, tivemos nossos couros arrancados durante a uma hora e meia de treino, eu saí de lá um trapo. De cinco horas, o treino foi encerrado, mas como o mestre ainda conversou sobre algumas coisas importantes com a gente, só saímos de lá de seis horas, quando já não se havia mais sol no céu.
Logo após o mestre dispensar todo mundo, eu segui meu caminho até a parada de ônibus com apenas uma coisa em mente, chegar em casa logo e descansar. O caminho até a parada àquela hora era estranho pra cacete, mas eu já estava acostumado com isso, então nem ligava mais. Chegando lá, havia algumas pessoas no local, ninguém com um ar suspeito, então fiquei em pé a espera do meu ônibus.
Foi então que aquela estranha sensação de ter esquecido algo voltou a me martelar. Pra falar a verdade, em momento nenhum ela tinha sumido, eu que tinha começado a ignora-la. E naquele momento eu resolvi checar minhas coisas mais uma vez para ter certeza.
Até que de repente eu finalmente tinha me dado conta do que eu tinha esquecido, meu vale-transporte.
"Puta que pariu, fodeu!" pensei desesperado.
E eu não estava com dinheiro pra pagar a passagem, esse era um erro que eu sempre cometia quando ia para o treino, nunca levava dinheiro. E certamente, pegar um táxi também estava fora de cogitação.
Também não havia a menor possibilidade de eu ir andando. não só por causa da hora, mas também pelo fato de que minha casa era longe pra cacete dali.
Então a minha saída era ligar para o meu pai e pedir para ele ir me buscar, o que eu queria muito não ter que fazer, mas era o jeito. Eu estava começando a discar o número dele no meu celular, até que eu lembrei de um mero detalhe...
Meu pai àquela hora já estaria indo para a porra do casamento, ou seja, com certeza não estaria disponível para ir até ali onde eu estava. E assim eu voltava para a estaca zero, minha mãe também não estava disponível já que nem em Recife ela sem encontrava.
"Fodeu, vou dormir na rua essa noite." pensei mais uma vez.
E ao mesmo tempo eu pensava em alguma outra possibilidade, qualquer outra coisa, sei lá, algum amigo que morasse ali por perto...
Foi nesse momento que me veio uma luz no fim do túnel, havia sim uma pessoa que eu conhecia que morava por ali, Heitor, um amigo meu da época do colégio. Apesar que fazia um bom tempo que eu não falava com o mesmo, aliás, tive poucas notícias dele ultimamente, a última que soube era que ele iria tentar vestibular pelo quinto ano seguido. Mas para alguém que estava na situação em que eu me encontrava, esse detalhe pouco importava.
Fui andando mais a frente na tentativa de avistar seu prédio, eu ainda lembrava exatamente onde era.
Não demorou muito até eu o encontrar, o prédio ficava exatamente no fim da rua. Sendo que quando eu fui me aproximando do portão eu me lembrei de um pequeno detalhe, mas, importante, eu não fazia ideia de qual era o apartamento em que ele morava. Nas poucas vezes em que tinha ido lá, eu tinha ficado apenas pelo térreo, nunca tinha subido para o apartamento dele.
E o prédio dele não tinha porteiro, você tinha que interfonar para o apartamento da pessoa para que ela descesse e abrisse o portão.
"E agora?" pensei.
Arriscar interfonar para cada apartamento e tentar a sorte definitivamente não era uma opção, eu ainda não estava desesperado a esse ponto.
Então eu me encostei em uma árvore que tinha ali próximo e comecei a pensar no que fazer, e foi nesse meio-tempo que lembrei de duas coisas:
1- Eu ainda tinha o telefone dele na minha lista de contatos.
2- Eu não tinha garantia nenhuma de que ele estava em casa.
Mas de uma forma ou de outra eu peguei meu celular e arrisquei ligar para ele.
Torci com todas as minhas forças interiores pra que aquele ainda fosse o número dele e que ele não tenha trocado durante esse tempo em que ficamos sem nos ver (ou que estivesse anotado certo no celular).
Fiz minha primeira tentativa, chamou, chamou, chamou, chamou, até que de repente...
"Deixe sua mensagem após o sinal..." e assim uma pequena parte da minha esperança ia embora.
Guardei o celular no bolso, respirei fundo, e esperei mais alguns instantes para fazer minha segunda tentativa, aliás, eu sabia que desde a época do colégio que Heitor não era um cara muito apegado ao celular, então provavelmente eles não estava com ele por perto.
Depois de alguns minutos, eu tentei de novo. E mais uma vez, chamou, chamou, chamou, e ai...
"Deixe sua men..."
"Um pouco de sorte, é tudo que eu peço" pensei na hora desligando o celular.
Esperei mais alguns instantes, ia fazer minha última tentativa, e o pior de tudo é que se aquilo não funcionasse eu não sabia mais o que tentar.
Disquei o número e aguardei, e assim chamava, chamava, chamava, chamav...
- Alô? - falou uma voz
- Alô... - respondi me endireitando - esse é o número de Heitor?
- É sim! - respondeu a pessoa que tinha atendido, que pela voz era um homem de meia-idade.
- Ele está?
- Está sim, mas, quem ta falando?
- É Brian, um amigo dele da época do colégio.
- Pera ai... - falou o homem - foi com você que Heitor foi para aquela festa da sala de vocês?
- É... sim. - eu lembrava desse dia, foi uma festa que a sala tinha organizado no 3º ano em que Heitor encheu a cara e eu tive que levá-lo até em casa com alguns outros amigos nossos, o pai dele ficou uma fera com ele.
Aliás, foi naquele momento que eu me dei conta que eu estava falando exatamente com o pai dele.
- E aí cara, tudo bem? - perguntou ele
- É... tudo sim... - respondi meio sem jeito - e com o senhor?
- Tudo sim, graças a Deus. - falou ele - e a faculdade, como tá?
- Puxada, mas está indo bem, e é o que importa.
- Fico feliz por você, mas enfim, vou chamar Heitor aqui, ai você aproveita e enfia na cabeça desse moleque pra que ele comece a estudar sério, que a essa altura já era pra ele ta terminando a faculdade.
Deu um riso forçado, e disse:
- Beleza, falarei.
- Beleza... - falou ele rindo - passar bem.
- Você também! - respondi
E assim fiquei esperando, ao fundo se ouvia o pai de Heitor chamando por ele e os passos de alguém que passava por ali na hora, até que depois de alguns segundos...
- Brian?
- Heitor?
- Quanto tempo, cara... - falou ele - como tu ta?
- Pois é, velho, to bem, e tu?
- Tudo limpeza. - respondeu - mas fala ai, a que devo a honra.
- Cara, vai ser estranho eu falando dessa forma mas, eu estou exatamente no portão do seu prédio.
- Não brinca?
- Se quiser a prova basta olhar pela varanda.
E poucos segundos depois ele apareceu na varanda, sem camisa, e me viu lá embaixo, me deu um aceno e eu acenei de volta.
- O que te trouxe aqui? - perguntou ele
- Bom, primeiramente, desce aqui que eu te explico com mais calma.
- Beleza então, vou só me arrumar aqui e já desço.
- Beleza... - respondi - até já então.
- Até! - falou ele desligando o celular.
Voltei a me encostar na árvore a espera dele, e alguns minutos depois ele apareceu saindo do elevador.
Quando ele abriu o portão, nos cumprimentamos, e depois eu expliquei com detalhes o que tinha acontecido para eu parar ali no portão do prédio dele.
- Mas que merda, hein? - falou ele
- Pois é.
- Bom, tem algo que eu possa fazer por você?
- Que bom que perguntaste... - falei - porque tem sim.
- Pois mande!
- Bom, nunca pensei que ia chegar o dia em que eu ia te pedir isso, mas, você poderia me emprestar uma grana para eu pagar a passagem? - realmente era estranho eu pedir aquilo para ele, já que na época do colégio o mais normal era acontecer o contrário, isso sem falar que já fiz tanto favor pra aquele cara que só Deus sabe o quanto ele me devia. - qualquer coisa próxima vez que eu saí do treino eu passo aqui e te pago.
Heitor deu uma leve risada, e respondeu:
- Rapaz, pode ser, mas minha carteira ta lá em cima, você espera eu ir lá pegar?
- De boas. - respondi
- Aliás, entra ai, me espera ali no banco.
- Beleza, valeu.
- Nada, já desço.
Me sentei no banco e fiquei o aguardando, fiquei fazendo algumas besteiras no celular enquanto isso. Não demorou muito para ele aparecer lá por baixo novamente.
- Ei Brian, tenho uma outra proposta...
- Diga! - falei me levantando
- Tipo, eu falei da tua situação pro povo lá em cima, e por isso, meu pai está te convidando pra jantar com a gente e também está se oferecendo pra te deixar em casa depois.
- Mas...
- E ele disse que insiste. - falou ele me interrompendo
Eu estava pensando em recusar, aliás, não estava afim de dar trabalho pra ninguém, mas depois eu pensei que quando eu chegasse em casa eu teria que fazer meu jantar já que só estaria eu lá, e eu não estava muito afim de fazer nada, e isso sem falar que ir pra casa de carro era muito melhor do que ter que pegar o "busão". Então eu resolvi aceitar o convite, que afinal, também seria uma oportunidade pra eu por a conversa em dia com Heitor.
E assim subi com Heitor, a partir dali a gente já começou a atualizar o outra das suas respectivas vidas, apesar que nada do que ele me disse era novidade, era a mesma coisa que ocorria com ele desde o fim do colégio.
Chegando lá em cima a mesa já estava sendo posta e a comida sendo preparada, falei com o pai de Heitor que me cumprimentou alegremente, e conheci o resto da família dele, que era no caso a mãe e as duas irmãs dele, uma mais nova e uma mais velha.
Enquanto a comida não ficava pronta, eu e Heitor ficamos no quarto dele ainda conversando sobre nossas vidas, até que uns quinze minutos depois a comida estava na mesa. O prato do dia era macarrão ao molho de camarão e canja.
Eu nunca gostei muito de canja e muito menos de camarão, mas ainda assim comi um pouco de cada sem falar nada, aliás, seria rude da minha parte se falasse algo. E afinal de contas, o macarrão ao molho de camarão nem estava ruim.
Durante o jantar a família de Heitor conversou um pouco comigo, perguntando coisas da minha vida, certamente, e claro, usaram algumas das coisas que eu falei da faculdade para dar alguns puxões de orelha nele, e cada vez que isso acontecia eu ria da cara dele. Afinal, eles tinham razão em reclamar com ele, e eu disse isso pra ele pouco antes do jantar.
Depois de todos terminarem as refeições, a mãe de Heitor me ofereceu um pedaço de pudim de sobremesa, e eu educadamente aceitei, e não me arrependi, estava uma delícia.
Quando terminei de comer, o pai de Heitor se ofereceu mais uma vez pra me levar em casa, e assim fui com ele depois de me despedir de todo mundo. Heitor disse pra eu aparecer mais vezes, e eu respondi que tentaria.
Expliquei todo o caminho pra minha casa para o pai de Heitor e ele conseguiu executá-lo sem muitas dificuldades, durante o caminho a gente ainda conversava sobre uma coisa ou outra, mas às vezes eu falava, mas a minha cabeça estava já na minha cama, o cansaço já falava alto pra caramba.
Depois de menos de meia hora de viagem, finalmente estava em casa, agradeci ao pai de Heitor e ele reforçou o que Heitor disse de aparecer pela casa dele quando eu quisesse, e eu disse mais uma vez que tentaria.
Quando eu subi o elevador eu já fui pegando a chave de casa na mochila, sendo que eu procurava, e procurava, mas não a achava.
"Porra, não é possível que eu esqueci isso também!" pensei
Mas depois de procurar com mais atenção, eu as achei no fundo da mochila.
- Ufa, que susto. - falei pra mim mesmo, aliviado.
Quando cheguei no meu andar, abri a porta e entrei no apartamento.
"Finalmente em casa." pensei aliviado
Então depois dessa doida situação, eu tomei um banho, e logo em seguida me joguei na cama. Não demorou muito para eu pegar no sono, sendo assim eu dormi com a luz do quarto ligada e só acordei no dia seguinte, o que prova o quanto eu estava cansado.
E principalmente depois dessa experiência, eu passei a checar mais de cinco vezes minhas coisas antes de sair de casa, mas mesmo assim, a sensação de ter esquecido algo ainda me martelava sempre.

Brian