sexta-feira, 26 de junho de 2015

Apenas tentando sair do ócio

Acho que já está repetitivo eu começar uma história dizendo que estava em um tédio extremo, mas infelizmente, esse é mais um desses caso, porque realmente, minhas férias não estavam lá das mais produtivas, já fazia algumas semanas que a mesma tinha começado, e eu apenas tenho feito aquelas mesmas coisas que eu suponho que todo mundo já saiba, e que não preciso ficar repetindo aqui.
Naquele dia em específico eu estava sozinho em casa, eram uma e pouca da tarde e minha mãe e minha irmã tinham ido trabalhar, e meu nível de "ócio" estava em um nível que nem sequer aguentava mais ficar sentado na frente do computador fazendo nada, porque aliás, não tinha nada de interessante pra fazer lá.
Experimentei ligar a TV e ver se tinha algo bom passando, mas o resultado vocês já imaginam qual foi, absolutamente nada. Vendo que aquilo não me levaria a nada, eu desliguei a televisão e fui para o quarto, o computador ainda estava ligado, mas a única coisa que eu fiz nele foi colocar uma música pra tocar, nesse instante, até pensei em ver minhas séries, mas foi então que lembrei que já tinha visto os episódios novos de quase todas, sendo assim, apenas me deitei na cama, olhei para o teto e fiquei ouvindo a música que tocava.
E isso é o mais chato de ficar em casa fazendo nada, porque quando eu fico dessa forma, deitado olhando pro teto, a única coisa que eu faço é pensar nas coisas da vida, ai você me pergunta: Que coisas? Digamos que basicamente tudo, tudo mesmo.
Nesse momento, eu estava deitado, mas meu braço esquerdo estava do lado de fora da cama, e bem próximo ao chão pra ser mais exato. Foi então que Riddle entrou no meu quarto e se aproximou da minha mão, ele começou a se roçar nela, a lamber e tudo o mais, pedindo claramente por carinho. Então eu o peguei, coloquei no meu colo e fiquei lhe fazendo um cafuné, e ele simplesmente se deitou e acomodou-se, aproveitando o agrado que lhe era feito.
Após isso, voltei a pensar nas coisas que eu estava pensando anteriormente, e é nessas horas em que fico convencido que às vezes, pensar nas coisas é uma forma de "auto-tortura". Por que eu falo isso? Porque é nessas horas que eu costumo a ficar remoendo lembranças de coisas que me chatearam no passado, em alguns casos, coisas que aconteceram há muitos anos atrás, eu já falei uma vez sobre essa mania chata que eu tenho aqui para vocês.
Pior de tudo, é que eu sei que isso só me faz mal, mas fico fazendo da mesma forma, e quando estou no ócio, é uma brecha perfeita pra eu ficar fazendo isso, o que era mais uma razão para eu arrumar algo de útil pra fazer urgentemente.
E também era nessas horas que eu adoraria aprender a esquecer dessas coisas, mas elas sempre voltavam a minha mente em algum momento, é quando eu me pergunto se ter uma boa memória a esse ponto é uma virtude ou um defeito, o que pode ser em partes um pouco dos dois, mas enfim.
Fato era que eu precisava ocupar minha mente de alguma forma, porque se fosse continuar do jeito que estava, eu ia ficar doido. Então, mais uma vez, comecei a checar a disponibilidade do pessoal, e mais uma vez fiquei decepcionado.
Eu nem me dei o trabalho de fazer a mesma ladainha de sempre porque já estava cansado dela, apenas continuei deitado olhando pro teto que era o que eu fazia de melhor.
Sendo que quanto mais parado eu ficava, mais essas lembranças vinham, então foi a hora que vi que eu precisava tomar uma atitude. Portanto, decidi que arriscaria uma coisa, seria a minha tentativa de sair um pouco de casa.
Tirei Riddle do meu colo e me levantei da cama, ele que já estava bastante aconchegado, não pareceu gostar de perder um pouco do seu dengo.
- Desculpa por isso, ta? - falei para ele lhe dando um cafuné atrás da orelha.
Bom, não sei se ele foi compreensivo nessa hora, aliás, gatos não são animais fáceis de se compreender, e eu ainda estava conhecendo bem o meu aos poucos, mas o fato é que depois disso ele foi se deitar na sua almofadinha.
Decidi naquele momento que eu iria ligar pra Thiago, e ver se eu poderia passar na casa dele. Ele ainda não estava de férias e ainda estava em semana de provas, ou seja, a probabilidade dele não poder me receber era enorme, mas eu iria tentar da mesma forma, afinal, o que eu tinha a perder?
Isso sem falar que até um simples conversa pelo telefone eu estava aceitando, só queria me ocupar de alguma forma.
Fui até a sala, peguei o telefone sem fio, digitei o número e aguardei ele atender a ligação. Após mais ou menos cinco toques...
- Alô?
- Alô, Thiago? - falei
- Brian?
- Tudo bem, cara? - perguntei
- Sim, e tu?
- Também, eu acho...
- Eu não senti firmeza nesse seu "eu acho". - disse Thiago
- Acredite, eu também não. - respondi
- Aconteceu algo?
- Não exatamente...
- Mas algo está errado, dá pra sentir na sua voz.
Realmente não tinha como eu engana-lo.
- É que... - comecei a falar, pensei em hesitar um pouco, mas continuei - eu sei que as coisas devem ta meio complicadas pra você agora, mas, posso passar ai na sua casa agora? É que eu quero seriamente sair um pouco de casa, e também falar sobre umas coisas.
- Pra falar a verdade, eu adoraria que tu fizesse isso, minha cabeça ta cheia, preciso relaxar um pouco.
- Ah, ótimo, cara!
- Mas cara, tem certeza que não é nada demais? O jeito que tu ta falando ta me preocupando.
- Tenha certeza que não é, quando eu chegar ai eu te conto, tu vai ver até que nem é lá grande coisa.
- Ok então, se você ta dizendo...
E assim, ficamos alguns segundos calados, até que eu disse:
- Até já, então?
- Sim, sim, até. - respondeu Thiago
Então desliguei o telefone, e fui me arrumar.
Fazendo um curto resumo de todo o trajeto, levei menos de dez minutos para me arrumar, e mesmo com o olhar de Riddle implorando para que eu não o deixasse sozinho (o que me dava pena sempre, mas de vez em quando era necessário) eu fui a caminho da parada de ônibus. E contando com o tempo em que tive que esperar o transporte, demorei vinte minutos para chegar na casa de Thiago.
Era duas e quarenta da tarde quando eu toquei a campainha dele, não demorou muito para ele atender, quando apareceu na porta, a gente se cumprimentou e ele pediu pra que eu entrasse.
Nos sentamos no sofá da sala e começamos a falar de algumas coisas aleatórias, coisas sobre as nossas vidas, pra ser mais exato, pra falar a verdade, mais sobre a situação de Thiago na faculdade por causa da semana de provas, o coitado estava simplesmente com os nervos a flor da pele querendo que a mesma passasse logo.
Até que Thiago finalmente falou:
- Mas agora diga-me, o que está havendo contigo?
Eu respirei fundo, e falei de toda a minha situação, do ócio extremo que eu estava nessa férias, da consequência dele que é ficar pensando nas coisas que me chatearam no passado e principalmente desse problema que eu tenho de ficar lembrando dessas merdas.
- E por que você fica se torturando dessa forma? - perguntou Thiago
- Tá ai uma pergunta que eu sempre me faço. - respondi
- Sabe que ficar remoendo só vai lhe fazer mal.
- Eu sei, mas sei lá, às vezes é meio que inevitável, principalmente quando eu não to fazendo nada.
- Então, ocupe-se!
- Essa é uma das razões de eu ter vindo para cá, tentar ocupar minha mente com alguma coisa, que só assim essas lembranças não me vem a mente.
- Mas mesmo assim, se ocupe mais, porque se continuar do jeito que tá, amanhã mesmo você volta pra essa mesma situação.
Pior que ele estava certo.
- Mas como? - perguntei
- Cara, você tem vários meios, dar uma volta no quarteirão a pé, tocar violão, brincar com o teu gato, você tem um leque de opções.
E era verdade, apesar que às vezes me limitava bastante, outra coisa que eu precisava parar.
- É, vou tentar fazer meio que uma programação, ou sei lá, pra não ficar no ócio sempre. - falei
- Faça isso mesmo. - disse Thiago me dando uns tapinhas nas costas.
E após alguns momentos calados, Thiago falou:
- Mas enfim, queres fazer algo?
- Claro, claro.
Logo após, a gente resolveu jogar na mesa de sinuca que Thiago tem no terraço de sua casa, aproveitamos pra realmente esfriar a cabeça. Curtimos um pouco a tarde até dar mais ou menos cinco e pouca, que foi a hora que Thiago decidiu voltar pros seus afazeres, o agradeci pela disposição e pelo tempo, e assim fui para casa.
Quando cheguei, minha irmã e minha mãe já estavam por lá, perguntaram aonde eu estava e rapidamente respondi que tinha ido na casa de Thiago. Me perguntaram também o que fiz por lá, e eu, como sempre, dei respostas secas não querendo dar muitos detalhes.
Quando cheguei no quarto, eu até pensei em ligar o computador, mas antes de fazê-lo, lembrei das coisas que tinham sido conversadas com Thiago, então concluí que se eu ligasse o PC, eu entraria no ócio mais uma vez.
Nessa mesma hora, Riddle entrou no meu quarto mais uma vez (ele passava mais tempo lá do que em qualquer outro cômodo da casa), e eu, certamente, fui fazer um cafuné nele.
O pequeno Riddle estava naquele momento com a energia a todo vapor, foi então que percebi que seria ele quem iria me ajudar a não ficar no ócio, peguei o seu brinquedinho e brinquei com ele até altas horas da noite.


Brian

sábado, 20 de junho de 2015

Um tour sem rumo pela cidade

Finalmente minhas férias tinham chegado, para a felicidade de todos da faculdade, principalmente porque esse semestre foi super puxado, tivemos que fazer matéria atrás de matéria, fosse pra impresso, web, rádio, ou TV, e para minha felicidade maior, aquele tinha sido o primeiro semestre em que eu passei com todas as notas acima de 7, isso não acontecia há muito tempo. Eu finalmente poderia descansar um pouco após um período de muito corre-corre.
Porém, como já era de costume, tinha se passado uma semana de férias e eu estava no ócio violento, em casa, eu apenas ficava fazendo algumas coisas no computador, ouvia música, tocava violão e brincava vez ou outra com o pequeno gatinho, Riddle. Às vezes a impressão que dava era que eu tinha me acostumado muito com o corre-corre do dia a dia, porque quando chegava essas folgas, parecia até que tinha saudades de ter uma tonelada de coisas pra fazer.
Era uma tarde de quinta-feira, e mais uma vez eu estava de pernas pro ar em casa fazendo nada de útil, e nesse dia em específico parecia que nem o pequeno Riddle estava afim de fazer alguma coisa, ele passou a tarde toda deitado na sua almofadinha e não tinha o que o tirasse de lá.
Eu não sabia mais o que fazer, praticamente já tinha visto todos os episódios das minhas séries que eu podia aguentar, estava sem animação pra tocar violão, Riddle estava mais preguiçoso do que eu, e sinceramente, queria muito não passar aquela tarde jogando no computador.
Então fui procurar algum amigo meu que estivesse disponível para fazer alguma coisa, sendo que mais uma vez eu tive aquela sensação de que não tinha ninguém que pudesse, e mais uma vez me senti frustrado por isso, mas tentei ignorar, aliás, não era culpa deles.
Alguns deles ainda não estavam de férias, como Joey, Thiago e  Andreza, outros estavam em seus cursos, como Júlia, outros tinham estágio, como alguns lá da faculdade, e outros tinham algum outro afazer, como a Cris, e para a minha maior infelicidade, Simone tinha ido viajar pra visitar a família no interior do estado.
"Não sei se sou eu que sou muito desocupado, ou o povo que nunca tem tempo mesmo," pensei.
Foi então, que de repente, eu recebi uma mensagem no meu celular, o mesmo estava exatamente do meu lado, então no mesmo instante o peguei e vi o que era.
Era uma mensagem da Helo, minha amiga de Arapiraca que agora estava morando aqui em Recife.
"Brian?" dizia a mensagem
Não demorei muito para responder:
"Oi Helo!"
"Tudo bem?" perguntou ela
"Apesar do tédio extremo, sim, está tudo bem rs" mandei de volta "e você?"
Depois de alguns segundos, ela respondeu:
"Meio que na mesma situação que você rs"
"Ócio extremo, também? Perguntei
"Exatamente kkkkk"
"Te entendo muito bem rs"
E assim começamos a colocar um pouco do papo em dia, por conta dos afazeres das nossas vidas, a gente não tinha tido muito tempo ultimamente para conversar, sair, se divertir, enfim. Era mais ou menos uma e pouca da tarde quando Helo tinha me mandado a mensagem, e a partir dali, ficamos umas meia hora falando de coisas aleatórias, até mandei pra ela uma foto do Riddle deitado na sua almofadinha (o que ela amou, certamente).
Até que, após essas meia hora, Helo teve uma ideia que definitivamente nos tiraria do ócio.
"Ei Brian, tive uma ideia aqui."
"Diga." falei
"Tipo, desde que cheguei aqui em Recife, ainda não tive a oportunidade de conhecer mais a fundo a cidade"
Eu estranhei isso, aliás, ela já tinha vindo aqui em algumas outras ocasiões, e não foram poucas.
"Sério? Mas você já não veio bastante para cá?" perguntei
Depois de alguns segundos de espera, ela respondeu:
"Sim, mas nunca tive tempo o suficiente pra isso, sacas? Sempre tinha algo pra fazer.
"Ah, entendi!"
E depois de alguns segundos, eu disse:
"Pois bem, continue com a sua ideia =D"
Então ela mandou:
"Continuando, ai tipo, a ideia que eu tive foi que a gente fosse agora pra cidade, e fizéssemos isso =)"
Na hora, eu não hesitei em falar:
"Eu super apoio \o/"
Helo retribuiu meu entusiasmo com a ideia com um "smile", e depois disse:
"Então, a gente se encontrar por lá em 40 minutos, pode ser?"
Então eu respondi:
"Com certeza =)"
"Bom, vou me arrumar aqui então..."
Eu ia digitar que também ia, mas eu vi que ela iria falar mais algo, então resolvi aguardar.
"Até daqui a pouco, então?"
"Sim, sim =D" respondi
"Vou me arrumar aqui também, até daqui a pouco" complementei.
"Até." respondeu ela
E assim fui me arrumar, tomei um rápido banho frio e depois escolhi a roupa que iria usar, coisa que eu não demoro nem dez minutos pra fazer, normalmente.
Não demorou muito para eu estar pronto, depois de por a roupa no corpo, calcei meus sapatos e peguei o básico para sair de casa (carteira, dinheiro, algum documento, enfim). Antes de sair, fiz um cafuné no Riddle, que já estava praticamente dormindo na almofadinha (o que pra mim teve até uma vantagem, porque ele não ficou me "segurando" para que eu não fosse, ele odiava ficar sozinho na cada, mas infelizmente às vezes era necessário). E assim eu peguei minhas chaves, mandei uma mensagem para minha mãe avisando para onde eu ia, e segui meu caminho até a parada de ônibus.
Resumindo toda a minha trajetória de casa para a cidade, como fui pegar ônibus numa parada onde o mesmo não demorasse muito, esperei apenas dez minutos para que eu subisse em um, já o percusso até lá que levou um tempinho, estava tendo uma obra em uma calçada não muito longe dali, e por isso o trânsito estava meio lento naquela área. Então, por isso, o caminho até a cidade foi feito em mais ou menos meia hora, e caso queiram saber, com trânsito fluindo bem, o percurso era feito em quinze minutos.
Enfim, eu e a Helo marcamos de nos encontrar no Shopping do centro da cidade, quando cheguei por lá, ela ainda estava no caminho, também tinha pego um trânsito meio lento, sendo assim, me sentei no banco, pus meu fone de ouvido e fiquei a esperando.
Depois de quarenta minutos, ela finalmente chegou no Shopping, eram quinze pra três na hora, se não me engano. Antes de tudo, quando nos encontramos naquele momento, demos um forte e longo abraço um no outro, eu estava com muitas saudades dela.
Quando nos soltamos, ela me deu um beijo no rosto, eu lhe retribui, e então disse:
- Então, por onde começamos?
Eu pensei um pouco, e disse:
- Essa é uma boa pergunta...
A gente se sentou um pouco e começou a pensar nas possibilidades. Me passou pela cabeça vários locais que eu poderia mostrar pra ela, eram muitas opções, até que me veio em mente a seguinte coisa.
- O que acha da gente não seguir um roteiro? - perguntei
- Como assim? - questionou ela
- A gente meio que andar sem rumo, vai parecer meio viajado eu falando mas, deixar que o "destino" nos guie, entende o que eu to querendo dizer?
- Acho que sim... - respondeu ela - e sinceramente, eu adorei a ideia.
- Sério?
- Seríssimo!
Então, naquele momento eu encontrei um papelzinho com o mapa do centro da cidade próximo a uma loja de uma agência de turismo, o que me fez ter outra ideia.
- Tive outra ideia agora.
- Qual? - perguntou ela
Peguei esse mapa, e o abri.
- Faça o seguinte, feche os olhos e aponte para qualquer ponto daqui do mapa, o que você apontar será por onde começaremos.
- Ok então. - disse ela com um lindo sorriso no rosto
E assim ela fez, fechou os olhos e apontou para um ponto do mapa, e o escolhido para ser o primeiro foi a Praça da República, e antes de começarmos, decidimos que todo o percurso feito naquele dia seria feita apenas a pé, que assim poderíamos apreciar melhor a paisagem recifense.
Então dessa forma começamos o nosso "tour" pela cidade.
Resumindo tudo que aconteceu naquela tarde para eu não me alongar muito, seguindo esse mesmo sistema, passamos por alguns dos principais pontos da cidade (não todos, por causa do tempo), além da Praça da República, também passamos pela Praça do Arsenal, pelo Marco Zero, o Forte das Cinco Pontas, o Paço Alfândega, enfim, e muitos outros, e como combinado, enquanto andávamos a gente aproveitou pra observar melhor a paisagem, coisa que eu próprio que moro a cidade desde que eu nasci faço muito pouco, houve muita coisa que só naquele momento eu parei pra reparar melhor, e isso se tratando de locais que eu costumo passar todos os dias.
E uma das cenas mais lindas que a gente teve o prazer de presenciar naquela tarde, foi quando passamos pela Ponte Maurício de Nassau, onde pudemos ver algumas garças pela margem do Rio Capibaribe, mostrando que mesmo o rio estando poluído do jeito que está hoje em dia, ainda assim consegue nos proporcionar essas belezas naturais.
Eram quase sete e meia da noite quando finalmente encerramos nosso "tour" pelo Recife, naquela hora estávamos morrendo de fome, então a gente decidiu rachar uma pizza antes de irmos para as nossas casas, e claro, durante isso tudo, do início ao fim, ficamos falando sobre várias coisas aleatórias, fossem ela sobre o passeio ou não.
O relógio marcava oito da noite quando terminamos de comer e pagamos a conta, era a hora de ir para casa, apesar que por a gente, podíamos até ficar um pouco mais por lá se divertindo, mas o problema é que a partir daquela hora a cidade começava a ficar estranha e mais perigosa (não que ela já não fosse isso tudo a luz do dia, mas certamente a noite fica pior).
E assim fomos para a parada de ônibus, mesmo os meus passando com mais frequência, eu esperei Helo pegar o dela para eu ir pra casa, eu normalmente sou assim, prefiro que os outros vão embora antes pra eu finalmente ir. Depois de uns 15 minutos de espera, o ônibus dela passou.
- Bom, esse é o meu... - disse ela - tchau Brian, obrigada pela tarde de hoje, me diverti muito. - falou ela me abraçando.
- Nada, sempre que quiser, estou aí, - respondi retribuindo o abraço.
E assim nos despedimos e ela entrou no seu ônibus, enquanto eu esperei apenas cinco minutos para que o meu passasse. Cheguei em casa um pouco cansado, certamente, tanto que fiquei alguns minutos da mesma forma que Riddle ficou na almofadinha o dia todo (aliás, quando cheguei ele finalmente estava mais ativo, querendo brincar até), mas de uma forma ou de outra, aquela tarde valeu muito a pena.


Brian

terça-feira, 16 de junho de 2015

O prédio nº 50*

*Essa história não tem nenhuma relação com o Brian
-
Londres, conhecida capital inglesa, cidade esta que é uma das principais paradas para quem quer conhecer a Europa, certamente, quando se falam em Londres, a primeira coisa que vem a mente da pessoa é a torre do relógio do Big Ben, o principal cartão postal da cidade. Mas agora eu não contarei a história de nenhum “ponto turístico” londrino, aliás, eu falarei de um local conhecido por muitos poucos, mas que ainda assim é cheio de histórias, a maioria delas não muito agradáveis.
O local em questão está localizado na Praça Berkeley, sendo mais específico, esse local é o prédio de número 50 dessa área residencial. Quem olha de longe acha que é mais um prédio qualquer, mas os que pensam dessa forma são aqueles que não fazem ideia das terríveis coisas que já aconteceram por ali, sendo mais específico no último andar.
Então comecemos do princípio, falando um pouco dessas histórias desde o caso mais antigo. Esse mesmo ocorreu nos anos 1700, quando uma menina que morava no último andar foi assassinada por um criado, há relatos que essa mesma garota hoje é vista frequentemente pelo mesmo andar chorando e torcendo as próprias mãos em desespero. Outro caso conhecido ocorrido ali é de uma mulher que fugia do seu tio que tentava abusa-la sexualmente, e acabou caindo por uma das janelas e morrendo, muitos alegam que veem seu fantasma pendurada no peitoril da janela.
Após uma longa época desocupada, a casa foi comprada por um homem chamado Sr. Dupre, que tinha um irmão louco e o deixava trancado em um quarto do último andar, não o deixando sair de jeito nenhum, tendo assim que alimenta-lo através de uma abertura especial na porta. Dizem que esse quarto é o centro das assombrações.
No ano de 1879, foi reportado de que uma senhora que passou a noite no último andar foi achada fora de si, e no dia seguinte a mesma foi encontrada morta no hospício em que tinha sido internada. No dia do corrido, um homem aceitou o desafio de passar uma noite no último andar, e foi a primeira morte gravada no local.
Durante as épocas em que o local esteve desocupado, os vizinhos alegam terem ouvidos vários gritos e gemidos vindos de dentro da casa, móveis se movendo, campainhas tocando, janelas batendo, e nos piores casos, alguns diziam sentir alguma presença estranha observando-a lá de dentro.
Atualmente o local abriga uma livraria, e estranhas ocorrências são relatadas por funcionários e clientes constantemente. O último andar é mantido trancado e absolutamente ninguém tem permissão de entrar lá.

Aquela era uma agradável tarde de quinta-feira em Londres, o sol brilhava forte no céu, o vento soprava suavemente, e as pessoas seguiam suas rotinas de forma tranquila. Isso incluindo na livraria localizada nas redondezas da Praça Berkeley, onde o movimento estava intenso, muitos estavam à procura do mais novo grande lançamento, era mais um daqueles livros de infanto-juvenil que acabam virando febre. Várias pessoas chegaram à loja a procura daquele livro, tanto que o estoque estava chegando perto do fim.
Mas mesmo com o grande movimento em que a livraria estava naquele dia, dois funcionários conseguiram tempo para irem tomar um café na cafeteria da esquina. Charlie e David tinham começado a trabalhar ali há mais ou menos dois meses, ambos em seus vinte e cinco anos.
Charlie tinha um sonho de entrar na faculdade de História e estava noivo a dois anos da sua amada Jennifer, mas as coisas não têm dado muito certo para ele ultimamente. Estava afundado em dívidas e o seu salário da livraria mal conseguia pagar o aluguel do seu apartamento, e com a Jennifer as coisas também não iam nada bem, eles brigavam constantemente por conta da enrolação de Charlie em relação à organização do casamento, que é uma das sérias consequências dos problemas financeiros dele.
E naquela mesma manhã, Charlie teve uma discussão feia com Jennifer por conta de todos esses problemas, as coisas entre eles estavam indo de mal a pior, e isso estava o angustiando bastante, naquele dia ele não conseguiu trabalhar direito só pensando nisso.
A pausa para o café com o David foi o momento oportuno para ele conseguir esfriar um pouco a cabeça, já que em consequência dos problemas pessoais tomando conta de sua mente ele estava ficando nervoso com o alto movimento da loja naquele dia, isso sem falar que felizmente as coisas estavam ficando mais calmas. Era cinco horas da tarde, o fluxo de pessoas estava ficando menor, faltavam umas duas horas para a loja fechar.
Os dois se sentaram no balcão, Charlie pediu um Cappuccino normal, e David, um café ao leite. E enquanto eles esperavam suas respectivas bebidas estarem pronta, Charlie começou a desabafar sobre seus problemas pessoais, ele estava realmente querendo falar sobre aquilo com alguém, e assim David se dispôs a ser o ouvido amigo que precisava.
Pouco depois de David falar que aquilo tudo era apenas uma fase ruim e que mais cedo ou mais tarde as coisas iriam melhorar, e que ele precisava ser forte, suas bebidas chegaram. A partir dali eles não poderiam demorar muito já que o pequeno intervalo deles terminaria em quinze minutos.
E após esfriar um pouco seu Cappuccino e dar um primeiro gole, Charlie se lembrou de uma coisa que estava querendo comentar com David.
- Ei David!
- Fala! – respondeu ele
- Você já ouviu falar de alguma história que diz sobre a livraria ser... – ele pensou bem se realmente iria falar aquilo, provavelmente David iria acha-lo doido – assombrada?
David tomou um gole do seu café, e depois respondeu:
- Já ouvi algumas baboseiras do tipo, mas na minha opinião é tudo história de quem não tem mais o que inventar.
Essa foi à reação que Charlie imaginava que David teria, ele sabia que ele não levava esse tipo de coisa a sério, diferente dele próprio que sempre foi fascinado por histórias de terror, sua vida inteira ele tinha como hobbie pesquisar sobre locais assombrados pelo mundo e suas respectivas histórias, e vez ou outra gostava de escrever contos de terror, já tentou ganhar a vida como escritor uma vez, mas sem sucesso.
O que não o impedia de continuar escrevendo, sempre tentava vender suas histórias, mas ninguém nunca se interessava. Seu outro grande sonho era virar um escritor de terror renomado, mas cada vez mais pensava menos nisso, aquele sonho para ele não era mais do que uma mera utopia.
 Então Charlie deu um gole da sua bebida, e falou:
- Cara, é que um dia desse eu estava fazendo uma limpeza em umas coisas antigas na loja, e ai eu achei um recorte de jornal velho no meio das coisas.
- O que dizia nele? – perguntou David
- Era uma matéria sobre os locais mais assombrados de Londres... – falou ele dando mais um gole do seu Cappuccino – e a livraria estava entre eles.
David prestava atenção sem levar aquilo tudo que Charlie falava a sério, apenas tomou mais um gole do seu café e continuou escutando.
- Na verdade, não a livraria em si... – continuou Charlie – e sim o prédio em que ela está.
- Eu tenho uma prima que também se interessa bastante por esse tipo de assunto, e um pouco antes de eu ser contratado ela me alertou sobre o local, dizendo pra eu tomar cuidado... – disse David em um tom irônico – ainda me pergunto com o que.
David deu um grande gole do seu café até Charlie falar.
- Mas você já ouviu as histórias que contam sobre o prédio?
- Não todas, uma ou outra perdida – respondeu David
- Cara, depois de achar esse recorte eu comecei a pesquisar mais sobre o assunto, até falei com alguns moradores dessas redondezas, e sinceramente, algumas coisas até fazem sentido.
- Por favor, cara... – suplicou David – isso tudo são apenas histórias inventadas pelo povo.
- Mas muitas dessas histórias aconteceram de verdade, há até registros disso.
- Sim, mas nenhuma delas deixou o local com “assombrações”.
- Mas David, não dizem que o “centro das assombrações” é o último andar?
- Sim! – respondeu ele já um pouco impaciente
- Então, e você também sabe que ninguém tem autorização pra entrar lá em cima.
- Isso deve ter sido uma medida tomada para afastar os curiosos.
- Não acredito que seja apenas por isso.
- Charlie, não vai me dizer que você acredita em fantasmas?
- Eu sinceramente acredito, e acho que as pessoas simplesmente não querem aceitar a existência deles.
- É velho, você definitivamente precisa parar de escrever aqueles seus contos doidos. – falou David.
Foi então que isso deu uma nova ideia para Charlie, escrever um conto sobre aquilo, já fazia um tempo que ele não escrevia mais nada.
- Eu definitivamente eu não irei parar, porque afinal de contas você acabou de me dar uma ótima ideia de conto novo.
David suspirou impacientemente.
- E ainda digo mais... – falou Charlie terminando seu Cappuccino – eu tentarei entrar no último andar.
No momento em que Charlie falou isso, David quase se engasgou com os últimos goles do seu café (e por pouco não caia um pouco no seu uniforme).
- Definitivamente você está doido. – disse David
- Se quiser achar que sim, fique a vontade.
- E como você pretende fazer isso?
Charlie parou pra pensar, realmente não tinha pensado nessa parte ainda.
- Ainda vou planejar melhor isso, mas você verá.
David riu, e disse:
- E quando você pretende por esse plano de entrar no último andar em prática?
Charlie pensou bem, e disse:
- Amanhã após o expediente.
E David, certamente, continuava cético.
- Planejarei tudo direitinho hoje à noite.
- Você não acha que tem problemas mais importantes pra se preocupar, como, as suas dívidas? – questionou David
- Mas vá por mim, isso poderá ser a porta de saída dos meus problemas, tenho certeza que eu conseguiria vender essa história por um bom preço, vários iriam se interessar e assim finalmente teria dinheiro o suficiente para quitar minha dívidas. – falou ele animado.
David ainda rindo, falou:
- Ok, ok, cara, você quem sabe, mas agora vamos voltar ao trabalho porque a gente já está atrasado. – disse ele se levantando do balcão.
Os dois pagaram suas respectivas bebidas no caixa e assim retornaram para a livraria.
Enquanto estava na loja, Charlie começou a olhar o local com mais atenção, o movimento naquela hora já estava basicamente zero e boa parte das pessoas já estavam indo para suas casas, faltava menos de uma hora para a livraria encerrar seu expediente, a Srta. Misty já tomava seu chá de fim de tarde no balcão do caixa, David começava a se arrumar pra pegar o ônibus, e o zelador cujo-o-nome-ele-não-sabia começava a fazer a limpeza (aliás, zelador esse que era bastante mal-encarado).
Quando deu sete horas em ponto, todos já estavam prontos para ir embora, David foi o primeiro a sair, e quando passou por Charlie se despediu dele e falou pra que ele não ficasse pensando muito naquela conversa fiada de “assombrações”, e Charlie certamente não deu ouvidos. Pouco depois a Srta. Misty seguiu caminho até sua casa, depois Roger (que retirava suspiro de todas as garotas que passavam pela loja com seus olhos azuis) vestiu seu casaco e foi embora também, até que chegou um momento que os únicos na loja eram Charlie e o zelador cujo-o-nome-ele-não-sabia.
Charlie deu uma pequena enrolada na livraria na tentativa de conseguir algum acesso ao último andar, até o dono já tinha ido embora, então ele aproveitou para dar uma pequena volta pelo prédio à procura de algo que o chamasse a atenção, mas até certo momento ele não encontrava nada diferente do normal.
Foi então que as luzes da loja começaram a ser apagadas, Charlie tomou um susto, mas depois se deu conta que era o zelador cujo-o-nome-ele-não-sabia que estava desligando tudo para poder fechar a livraria, mas ainda assim ele continuou a explorar a área. E foi nesse momento que ele começou a sentir algo estranho, era uma sensação de que tinha alguém com ele naquele recinto, Charlie olhou a seu redor na espera de encontrar algo estranho, seu coração começou a acelerar, observou bem todos os cantos do corredor em que estava, e mais uma vez não encontrou nada, mas mesmo assim seu medo não diminuía, e lentamente ele foi seguindo seu caminho dentro da loja.
Não demorou muito pra ele achar a escada que dava acesso ao andar de cima, a mesma estava com uma corrente bloqueando sua passagem com uma placa escrita.
NÃO ULTRAPASSE: ACESSO RESTRITO
 Certamente ele a ignorou.
Com um pouco de esforço passou por cima das correntes e começou a subir a escada, a mesma aparentava já ter tido dias melhores, a madeira estava claramente estragada e havia uns dois degraus quebrados, e alguns outros que não precisariam de muito esforço pra quebrarem também, e dessa forma ele foi subindo vagarosamente.
Logo acima ele conseguia observar uma porta logo ao fim da escada, via-se claramente que quando o prédio foi construído ela não existia ali, e que foi algo colocado depois, provavelmente após a casa virar uma livraria. E também se via que a mesma estava muito bem trancada, havia umas três fechaduras e um cadeado.
Quando Charlie iria se aproximar da porta...
- Ei, você! – Dizia uma voz vinda de trás dele.
Charlie tomou um susto que acabou afundando o pé em um degrau oco, quando ele olhou para trás, era o zelador cujo-o-nome-ele-não-sabia. Foi quando se deu conta o quanto ele ignorava a sua existência na loja, porque só naquele momento que ele se deu o trabalho de olhar melhor as feições faciais dele.
O velho aparentava ter uns setenta anos e tinha uma cicatriz logo abaixo do olho esquerdo, mesmo olho em que ele era cego. E havia uma razão pra que a maioria dos funcionários não gostarem muito da presença dele, ele trabalhava na loja há uns trinta anos e ninguém nunca o viu sorrir, era como se tivesse ódio de todos lá dentro. E vez ou outra os funcionários se assustavam quando o viam olhando fixamente para eles, era como se ele estivesse observando bem o passo de todos lá dentro e planejando algum tipo de vingança maligna.
- O que está fazendo aqui? – perguntou ele com a sua voz rabugenta – não sabe que ninguém pode subir essa escada?
Charlie ficou calado olhando fixamente para o velho, estava com medo, claramente, ele não sabia o que dizer, e o olhar do zelador o intimidava.
- E-Eu, errrr... – gaguejava Charlie – é que...
- SAIA DAÍ LOGO! – esbravejou o zelador
E assim Charlie desceu as escadas rapidamente, quando ele passou pelo zelador o mesmo o olhou fixamente, e ele tinha uma sensação de que mesmo aquele olho cego conseguia observa-lo claramente.
- Agora chega de bisbilhotar coisas que você não deve, garoto, já está tarde e eu vou fechar a loja. – falou o velho
Charlie apenas concordou com a cabeça com o rosto ainda assustado, e assim ele foi andando em direção à saída da livraria, ainda observando o ambiente ao seu redor, e o zelador logo atrás dele, como se quisesse a garantia de que ele não iria sair bisbilhotando mais nada.
Chegando a porta, ele saiu por ela e o zelador veio logo atrás, Charlie foi até a calçada e olhou para a porta novamente, e lá estava o velho o observando mais uma vez. Depois dessa rápida olhada, Charlie ia seguir seu caminho, até que falou.
- Ei, senhor, só um instante.
O velho que já estava voltando pra dentro da loja se virou e olhou Charlie fixamente, ainda com aquela cara de que queria que ele fosse embora logo.
- Desculpe, é que eu trabalho aqui há uns dois meses e até agora eu não sei o seu nome.
O zelador ainda o olhava fixamente, aquele olhar ainda assustava Charlie, e depois de alguns segundos calados, ele finalmente falou:
- Dupre!
E sem mais nenhuma palavra ele entrou novamente na loja e fechou a porta.
“Dupre?” pensou Charlie “esse nome me é familiar.”
Tentava lembrar onde foi que já tinha ouvido aquele nome, mas não conseguia. E assim ele seguiu seu caminho com essa dúvida e também pensando “esse cara precisa melhorar os bons modos, não me surpreende o porquê que ninguém gosta dele.”
A escuridão já tomava conta do céu de Londres, os postes da Praça Berkeley já estavam todos acesos, e ao longo que Charlie andava ele voltou a sentir aquela estranha sensação de que alguém o observava.
Olhou a movimentação ao seu redor, o único estabelecimento ainda aberto era a cafeteria da esquina, em que havia apenas umas quatro pessoas, e na praça apenas se viam dois vigias e um mendigo deitado no banco.
Ele parou por um instante e olhou novamente pra fachada da livraria, mais em específico para a janela do último andar, quando mais uma vez teve a estranha sensação de que alguém o observava. E ele olhava para aquelas janelas profundamente, e por alguma razão esperava ver alguém ali também o olhando, e só em pensar nessa possibilidade sentiu um arrepio.
E dessa forma resolveu parar de ficar olhando para ali e finalmente ir para casa.
Quando chegou em casa já era oito da noite, Jennifer já tinha chegado do trabalho, ela ainda estava com raiva dele, via-se claramente após ela responder friamente ao seu “Boa noite, amor”. Passou pela cabeça dele se sentar com ela e conversar sobre a situação em que os dois estavam, mas ter mais uma discussão era o que ele menos queria naquele momento, então achou melhor deixar passar e dar tempo ao tempo.
Jennifer estava no sofá da sala vendo o noticiário da noite, passava algo sobre algum acidente de trânsito ocorrido no centro de Londres envolvendo um carro e uma moto, nada que Charlie tenha se interessado em checar melhor, aliás, estava morrendo de fome. Ele pendurou seu casaco no cabideiro próximo à porta e seguiu para a cozinha.
Ele esquentou um resto de sopa de macarrão que ainda restava do jantar do dia anterior e preparou um chocolate quente para si. Após aprontar o chocolate, se sentou a mesa da cozinha e esperou a sopa ficar pronta no micro-ondas, esfriou um pouco a sua bebida e tomou um primeiro gole, percebendo assim que não tinha esfriado o suficiente ao queimar a língua.
Pouco depois, o sinal do micro-ondas tocou e ele pegou sua sopa, novamente se sentou e esperou um pouco que ela esfriasse. Enquanto isso, observava Jennifer no sofá da sala focada no noticiário da noite que passava, e por um instante ele pensou em falar para ela sobre as coisas que tinha descoberto sobre a livraria, e também da sua ideia de escrever um conto sobre aquilo e entrar no último andar da mesma.
Mas Jennifer nesse ponto se parecia um pouco com David, ela não levava esses tipos de história a sério, e achava baboseira o fato de Charlie perder seu tempo com essas coisas, e da mesma forma também não gostava dos contos que ele escrevia (ela em si nunca foi fã de histórias de terror). Então ele tirou essa ideia da cabeça, provavelmente só causaria mais uma discussão entre eles dois, o que tentava evitar ao máximo.
E dessa forma, Charlie apenas comeu seu jantar tranquilamente sem falar mais nada, enquanto Jennifer continuava na sala vendo televisão e tomando seu chá.
E pelo resto daquela noite Charlie pensava em apenas duas coisas, da quão chata estava a sua situação com Jennifer naquele dia, e do seu plano para entrar no último andar da livraria no dia seguinte. Naquela noite os dois dormiram na mesma cama, mas sem conseguir olhar para cara um do outro.
Na manhã seguinte quando Charlie levantou da cama, Jennifer já estava acordada. O dia em Londres amanheceu nublado, e a previsão do tempo indicava que uma grande chuva cairia pela parte da tarde. Charlie desceu pra cozinha e viu Jennifer preparando a mesa.
- Bom dia, amor! – falou ela indo em sua direção
- Bom dia, Jen! – respondeu ele sentindo-se satisfeito em ver que ela não estava mais com raiva dele, mas ainda assim Charlie via que Jen não estava bem, parecia preocupada com alguma coisa.
Os dois deram um selinho um no outro, e Jennifer falou:
- Preparei o café pra gente hoje.
- Oh amor, não precisava... – falou Charlie
- Precisava sim... – suplicou Jen – eu não queria que as coisas continuassem chatas entre a gente – disse ela – entenda como um pedido de desculpas.
Charlie pensou em questionar, mas achou melhor ficar calado, ele também queria muito que as coisas entre eles dois ficassem bem, então se sentou a mesa enquanto Jen colocava o resto da comida.
Ela tinha preparado algumas panquecas com mel, alguns bacons, duas torradas e um chocolate quente para Charlie. Após por a mesa ela se sentou junto a Charlie e se serviu, e assim ele fez o mesmo.
Então os dois começaram a conversar sobre como tinha sido o dia anterior para eles, o que tinha acontecido, e todo o resto. E ao longo que eles conversavam Charlie não deixava de perceber a expressão de preocupada que a Jen estava, até que um momento ele não resistiu e perguntou.
- Jen, posso lhe perguntar uma coisa?
Ela estranhou a pergunta:
- Pode... – disse ela
- Está tudo bem?
Surpresa com a pergunta, ela respondeu:
- Está, claro, por que não estaria?
- Porque você parece que está preocupada com algo... – disse Charlie – ou é só impressão minha?
Ela ficou calada por um instante, e falou:
- Deve ser só impressão mesmo.
Charlie não tinha engolido aquilo, mas resolveu aceitar sem questionar.
Então ele olhou a hora e disse:
- Bom, hora da gente se arrumar e ir para o trabalho.
Ela concordou.
Eles terminaram de comer, lavaram seus respectivos pratos e subiram pra se arrumar.
Não demorou muito para os dois estarem prontos, desceram do quarto juntos, cada um pegou um guarda-chuva e seus respectivos casacos no cabideiro e saíram de casa. Chegando um pouco além da esquina, era a hora em que cada um iria seguir seu caminho, Charlie iria pegar o ônibus para a livraria e Jennifer iria andando a farmácia onde trabalhava.
Eles pararam para se despedir, se beijaram e Charlie avisou que iria chegar um pouco tarde em casa (ainda sem dizer o porquê). Jennifer pareceu receosa, mas não fez mais perguntas, cada um disse “eu te amo” para o outro e seguiram seus respectivos caminhos.
Até que...
- Charlie! – gritou Jen
Que correu em sua direção, e quando ele se virou ela o abraçou fortemente quase chorando. Charlie ficou perplexo, a última vez que Jennifer a tinha o abraçado daquela forma foi quando eles reataram o relacionamento após dois meses separados.
- Jen, você tá bem? – perguntou ele mais uma vez
- Estou... – respondeu ela enxugando o rosto – é besteira, sério.
- Não é o que está parecendo.
Jen soluçou, deu uma suspirada e falou:
- Foi... só... – ela pensava bem se queria realmente falar aquilo – um sonho doido que eu tive.
- Quer me falar sobre ele?
- Não... sinceramente... você vai achar loucura.
- Essa é uma característica dos sonhos, normalmente.
- Sério... não vale a pena... relembrar.
- Eu estava nesse sonho?
Ela concordou com a cabeça.
- Algo acontecia comigo?
Ela afirmou com a cabeça de novo.
- Não quero entrar em detalhes... – disse Jen – mas só digo que acontecia uma coisa que faria eu nunca mais te ver de novo.
Jennifer se esforçava pra não chorar.
Foi então que Charlie a abraçou de novo e disse:
- Vai ficar tudo bem.
E depois de alguns segundos abraçados, Jennifer falou:
- Não demora muito pra chegar em casa, tá?
- Tá certo, prometo que não demorarei. – falou Charlie sem ter certeza de que estava falando a verdade.
- E quando eu chegar... – continuou ele – você vai me contar esse sonho com todos os detalhes, tá certo?
Ela concordou com a cabeça.
E assim eles deram um último abraço antes de irem.
- Eu te amo Charlie, não se esquece, tá? – falou Jen.
- Também te amo, Jen, não esquecerei.
Após mais alguns segundos abraçados, eles deram um longo beijo, e depois finalmente seguiram seus caminhos.
Charlie ficou preocupado com Jennifer, ele queria muito saber o que tinha acontecido com ele nesse sonho, mas tentou tirar isso um pouco da cabeça pra se focar em duas coisas, no dia de trabalho e em como conseguiria entrar no andar proibido da livraria.
Pouco após ele descer do ônibus, uma forte chuva começou a cair sobre Londres, Charlie abriu seu guarda-chuva e seguiu caminho até a Praça Berkeley. Após uns quinze minutos da parada até a praça, Charlie já avistava o prédio nº 50, que naquele dia chuvoso parecia muito mais tenebroso que o normal e muito menos convidativo também.
E mais uma vez ao olhar pra janelas do último andar, Charlie sentia a sensação de que tinha alguém olhando para ele dali, então por um instante ele parou e olhou fixamente para o prédio, seus sapatos estavam encharcados por conta das poças d’água que ele acabou pisando no caminho até a praça, assim como as bocas da sua calça também estavam. Mas ainda assim ele parou na calçado e encarou o prédio, como se assim conseguisse ver mais profundamente os seus mistérios.
Até que de repente ele ouviu:
- Charlie?
Ele olhou para trás, era David.
- Tá fazendo o que ai parado?
Sem saber o que falar, mas também sem querer falar a verdade, Charlie pensou por alguns segundos em alguma boa desculpa, e disse:
- Só me certificando se não esqueci nada em casa.
David olhou pra Charlie com aquela cara de quem não engoliu aquela desculpa.
- Ok então, né? – falou David
E após ficarem alguns segundos encarando uma ao outro debaixo da chuva, David disse:
- Vamos entrar né? Acho que já nos molhamos o suficiente por hoje.
Charlie concordou sem dizer mais nada, e o acompanhou até a porta da livraria, que abriria em mais ou menos meia-hora.
Ao entrar na loja, os dois guardaram seus guarda-chuvas no porta guarda-chuva logo ao lado da porta e penduraram seus casacos. Logo atrás do caixa, no seu lugar de sempre, estava Srta. Misty tomando seu chocolate quente antes do início do expediente, ela deu bom dia tanto pra Charlie quando pra David e os dois responderam educadamente.
Pouco depois ele passaram pelo zelador, Dupre, era o seu nome, Charlie se lembrava bem agora, aliás, ele ainda queria descobrir onde já tinha visto aquele nome, não conseguia lembrar. Ao passar por ele, David o desejou “bom dia”, e o mesmo retribuiu da mesma forma rabugenta de sempre, já Charlie preferiu ficar calado ao passar por ele e apenas o encarar.
Dupre o encarou de volta, certamente iria ficar de olho em Charlie constantemente depois da noite anterior, Charlie não gostava dele e estava claro que o sentimento era recíproco da parte do velho. O zelador o encarou de volta, ainda havia aquela sensação de que seu olho esquerdo o observava melhor do que o direito, mesmo sendo cego.
Nesse momento Charlie percebeu que teria que tomar bastante cuidado com o zelador daqui pra frente, certamente seu nome estava na lista negra dele desde a noite passada.
Naquele dia o movimento na loja foi baixo, uma das consequências da forte chuva que atingiu a cidade, certamente as pessoas preferiram deixar pra comprar qualquer coisa lá para o dia seguinte do que enfrentar aquele pé d’água.
A chuva apenas deu uma trégua em um curto período da tarde, mais ou menos por uma hora e meia, até ela voltar a cair com força total.
Era um daqueles dias em que todos na loja se perguntavam o porquê deles não terem ficado em casa, David desde o início da tarde não fazia mais nada que não fosse ficar jogando no seu celular, Roger ficou sentando em um canto com o rádio no ouvido na expectativa para o jogo do Chealsea, seu time do coração.
Mas enquanto todos se distraíam com alguma coisa, Charlie resolveu explorar um pouco mais a livraria, ainda pensava bem no seu plano de entrar no último andar. Primeiramente ele precisava descobrir onde era a sala do Dupre, porque lá seria o único lugar onde a chave do andar estaria, e provavelmente bem protegida dentro de um cofre. Uma coisa Charlie tinha certeza, a tarefa seria complicada.
Enquanto ele procurava a sala, simultaneamente também pesquisava um pouco mais sobre a história do prédio pelo celular, não achava muitas novidades, apenas aquilo que já tinha visto antes. Ele queria algum relato atual de alguma pessoa que tivesse presenciado algum fenômeno estranho no local, ou então registros, mas não obteve sucesso nessa busca.
Até que em um momento, ele viu Dupre perambulando pelos corredores da loja, na hora o zelador estava com o espanador tirando a poeira de cima dos livros e dos móveis. Então Charlie resolveu acompanhar o passo-a-passo do serviço do Dupre até o momento que ele fosse para a sua sala, e claro, sendo o mais discreto possível.

Até o Dupre terminar de espanar todas as estantes, Charlie não tirou os olhos dele. E observando ele trabalhar que Charlie aumentava mais a sua teoria de que o zelador conseguia observar melhor com o olho cedo, era como se o mesmo conseguisse ver coisas que ninguém conseguiria a olho nu, e aquilo fazia Charlie ter cada vez mais medo do velho.
E finalmente o velho foi para a sua sala, Charlie continuava na sua cola, fazia uns vinte minutos que ele estava nessa brincadeira, e já estava ficando cansativo. E assim ele seguiu Dupre até a sua sala, que ficava onde era supostamente o porão do prédio, foi quando Charlie se deu conta que era ali onde ele morava, e se lembrou também que nunca viu o zelador saindo da livraria após o fim do expediente, ou seja, ele nunca se importou com aquele velho rabugento.
O zelador ficou apenas alguns segundos dentro da sua sala e saiu com uma sacola para coletar os lixos das lixeiras.
A porta não tinha sido trancada, então por isso Charlie estava decidido a entrar lá, para quem sabe já achar onde a chave do último andar estava, mas quando ele estava indo em direção à porta, uma senhora o cutucou. Era uma cliente que procurava por algum livro específico de física quântica, e por isso ele teve que deixar a ideia de entrar na sala do zelador para alguma outra hora e foi procurar o livro para a mulher.
Não muito depois disso, ele avistou o Dupre voltando pro seu recinto, provavelmente tinha esquecido algo, mas de qualquer forma foi melhor ele não ter entrado lá naquele momento, com certeza teria arrumado mais problemas com o velho do que já tinha.
Dessa forma mais um dia de expediente se passou na livraria e nas redondezas da Praça Berkeley, que para todos passou de forma vagarosa, o movimento à tarde foi menor do que o da manhã, tudo ainda consequência da forte chuva que atingiu a cidade naquele dia (que ainda caia a noite de forma violenta).
Para Charlie, a hora de por seu plano em prática estava cada vez mais próxima, ele contou isso para David e o mesmo não o levou a sério, pra variar, mas ele não ligou para isso.
David foi o primeiro a ir embora, ele estava bastante apressado para chegar em casa, principalmente por causa da tempestade que caía. A Srta. Misty saiu logo após quando seu noivo chegou para busca-la, era sexta-feira a noite, e mesmo com a chuva, eles tentariam aproveita-la juntos.
E aos poucos todos foram deixando a loja, até que mais uma vez sobrou apenas ele e o rabugento do Dupre.
Era hora de por o plano em prática, ele já tinha em mente o que precisava fazer, tinha que, em primeiro lugar, distrair o Dupre de alguma forma por um longo período de tempo, e após isso seria apenas ele entrar na sala dele e achar a chave, e felizmente o velho nunca a trancava.
As luzes da loja estavam sendo apagadas quando Charlie começou a agir, e no mesmo momento um forte relâmpago iluminou o céu chuvoso de Londres vindo junto de um grande trovão.
Foi quando Charlie percebeu que era a hora de entrar em ação, e assim o fez, inundando o banheiro da loja. Não demorou muito pra velho zelador morder a isca, provavelmente depois de ouvir o som de água corrente, ele correu em direção ao banheiro gritando “QUEM ESTÁ AI?”.
Charlie ficou de tocaia por trás das estantes nas proximidades do banheiro. Quando Dupre viu o tamanho do estrago deu um urro de raiva, no mesmo instante outro relâmpago iluminou o recinto acompanhado do som de um trovão. Aquilo assustou Charlie profundamente.
O velho correu em direção a sua sala soltando todos os tipos de xingamentos possíveis, e logo após voltou com um esfregão na mão, ainda resmungando.
“Se eu descobrir quem fez essa merda, eu mato o filho da puta” xingava Dupre começando a arrumar a bagunça.
Era a chance que Charlie precisava, o velho rabugento iria levar um tempo até arrumar tudo, e assim ele foi em direção à porta do porão. Ele andava o mais silenciosamente possível, tomava cuidado a cada passo que dava, e a escuridão da loja não o ajudava em nada, passava por sua cabeça a possibilidade de pisar em algo que o denunciasse, e isso o deixava nervoso. Mas tentava não pensar nisso e seguir o plano.
E ao longo que o tempo passava parecia que a tempestade só piorava, relâmpagos caiam de minuto em minuto, juntamente com os trovões, e isso assustava cada vez mais Charlie.
Mas quando finalmente avistou a porta do porão (uns dez minutos depois), ele tomou outro susto. Além de mais um relâmpago ter caído, seu celular vibrou no bolso, era algum SMS recebido.
“Ainda bem que eu me lembrei de colocar no silencioso, senão eu estava fodido.” Pensou ele.
Era uma mensagem da Jennifer, provavelmente preocupada porque Charlie não tinha chegado em casa ainda, e além do mais por causa da tempestade.
“Cadê você?” dizia a mensagem.
“Estou na livraria ainda...” respondeu Charlie “logo estarei em casa, não se preocupe.” Mandou ele com uma carinha sorrindo do lado.
Alguns segundos depois, Jen respondeu:
“Não demora muito não, tá?”
“Não demorarei.” Respondeu ele no mesmo instante.
“Promete?”
“Prometo”
E depois de alguns segundos, Jennifer mandou:
“Eu te amo!”
“Também te amo” respondeu Charlie
E antes de guardar o celular de volta no bolso, ele reparou que restava apenas quinze por cento da bateria.
“Isso vai dar merda.” Pensou ele guardando o celular.
Feito isso ele finalmente entrou na sala do Dupre (que de novo, não estava trancada).
Vagarosamente ele entrou e observou com atenção o local. Ele concluiu antes de tudo que o velho realmente morava ali, havia uma cama, um pequeno fogão, um pequeno frigobar, e várias outras coisas básicas pra uma pessoa poder morar em um local.
Logo a direita da porta ele encontrou onde o Dupre deixava todas as chaves do prédio, cada uma ficava pendurada em um prego na parede com o nome do local em que pertencia logo abaixo. O único que se encontrava vazio era a chave da entrada da livraria, que provavelmente estava na mão do velho naquele momento.
E para a surpresa de Charlie, junto a elas também estava a chave do último andar.
“Como assim ela não é mantida em um cofre?” pensou ele.
Aliás, se aquela era a chave do local que ninguém era autorizado a entrar faria mais sentido que ela estivesse protegida a sete chaves.
Mas logo tirou isso de mente, ele tinha conseguido a chave, era o que importava. Então a pegou, e depois de sair da sala e fechar a porta de forma cuidadosa pra não batê-la, foi em direção da escada com a mesma cautela.
No caminho ele ainda ouvia a água corrente do banheiro e o velho Dupre ainda resmungando.
Até que ele finalmente chegou à velha escada de madeira, o aviso de “não ultrapassar” ainda estava lá, e mais uma vez Charlie não deu a mínima importância para ele. Cuidadosamente foi subindo degrau por degrau, tomando cuidado com aqueles que estavam ocos e principalmente com aquele que ele tinha quebrado na noite anterior. E a cada passo que dava ele olhava para trás para garantir que o Dupre não estaria vindo estragar seus planos.
Chegando próximo à porta ele preparou as chaves em mãos. Acendeu a lanterna do celular (que no momento se encontrava com apenas oito por cento da bateria) e foi procurando encaixar as chaves nas suas respectivas fechaduras.
Começou com o cadeado, que foi o mais simples, abriu-o sem muitas dificuldades, logo após ele foi para a segunda fechadura que era do tipo mais redonda, posicionou bem a chave na mão e a colocou. Levou um susto quando deu o primeiro giro, por causa do trovão que tinha caído simultaneamente, respirou fundo e deu o segundo giro que fez um grande estrondo, o assustando mais uma vez e fazendo-o olhar para trás.
Esperou alguns segundos calados por qualquer sinal do zelador, tendo a certeza de que ele não ouviu, Charlie voltou a se focar na porta, deu a terceira e última rodada na chave que fez mais um estrondo, fazendo com que Charlie tivesse que esperar mais alguns segundos para ter certeza de que o velho não ouviu.
Após ter certeza disso e verificar que aquela fechadura já estava completamente aberta, ele foi para a última chave, que era a da porta em si. Com a mão tremendo e a lanterna do celular também, ele colocou a chave na fechadura, quando tentou girá-la, a chave emperrou.
Aquilo deixou Charlie mais nervoso do que já estava, ele deu uma segunda tentativa, sem sucesso, então soltou a chave, deu uma suspirada, e tentou de novo, ainda emperrada, e o seu desespero aumentava.
- Maldita chave velha! – falou baixo para ele mesmo
Deu uma terceira tentativa que também não obteve sucesso.
Até que na quarta, um pouco no desespero, ele conseguiu dar a primeira girada na fechadura. E com um pouco de mais calma, ele deu a segunda, e finalmente a porta foi aberta.
Charlie deu um suspiro de alívio, e calmamente desligou a lanterna do celular, o guardou e bem devagar abriu a porta do tão temido andar.
Ele estava prestes a presenciar na pele um pouco da história macabra daquele antigo prédio das redondezas da Praça Berkeley.
E assim, lentamente ele entrou no recinto, pegou novamente o celular do bolso e ligou a lanterna. Começou a observar os arredores com atenção, aquele lugar realmente daria um bom cenário de filme de terror, havia teias de aranhas em todos os cantos do local, tinha poeira por todas as paredes e por todo o chão, e via-se não muito distante algumas baratas andando pelo local.
Com cuidado, Charlie foi caminhando com a lanterna acesa vendo o que mais poderia encontrar por ali. Ele tinha deixado a porta aberta, mas não chegou a reparar nisso.
Em uma das paredes ele viu o retrato antigo de uma família, alguma que provavelmente tinha morado ali há muito tempo atrás, e quando reparou melhor viu que um dos membros estava com uma camisa de força, provavelmente era o homem louco que foi mantido preso ali pelo irmão.
Mais a frente naquele corredor, Charlie avistou três portas logo ao final dele. Uma delas parecia algo que um dia chegou a ser um banheiro, sendo que sem o vaso sanitário, com a pia parcialmente destruída e lodo impregnado em todos os lados, isso sem falar em um rato que agora habitava a banheira também cheia de lodo.
Na outro parecia ser um quarto de casal empoeirado e com o colchão e os travesseiros estragados e devorados pelas traças, e a última porta estava fechada, e por isso que Charlie sabia que aquele deveria ser o quarto que é o centro de todas as assombrações do prédio.
E assim foi em direção da porta, ainda com o celular em mãos utilizando os últimos cinco por centos de bateria que ainda restava, ao passar pelas outras duas portas deu uma leve olhada no lado de dentro, vendo a situação dos respectivos cômodos, e sentindo nojo principalmente do banheiro.
Ao longo que andava por aquele corredor, ele voltava a ter aquela sensação estranha, não de que alguém o observava dessa vez, e sim de que tinha alguém com ele ali naquele momento, alguma presença estranha, que nem ele mesmo conseguia explicar. Seu coração disparava a cada passo que dava, aquele local o assustava até os ossos, tanto que sentiu um arrepio após mais um relâmpago iluminar o céu londrino.
Até que finalmente estava em frente da porta fechada, observou-a com atenção e viu uma abertura especial que ela tinha na parte de baixo, o que confirmava que aquele era o tão temido quarto.
Ele estendeu a mão para abri-la, mas quando tocou a maçaneta se assustou com um som que veio de trás dele, ele recuou e apontou a lanterna para o corredor. Esperava ver o velho Dupre logo atrás dele, mas felizmente não era. Era apenas um rato que tinha saído do banheiro, Charlie respirou aliviado.
Ele voltou a se focar na porta, vagarosamente tocou na sua maçaneta e a girou. A porta de abriu a sua frente, e assim ele viu um grande cômodo sujo e vazio, tirando por um simples detalhe, havia um esqueleto humano deitado ali.
Quando Charlie viu o esqueleto, mais um relâmpago caiu e a sua lanterna do celular desligou sozinha, sua bateria tinha acabado de morrer.
“Mas que merda, hein?” pensou ele guardando o celular no bolso.
E mesmo com pouca visibilidade ele entrou no quarto, além do esqueleto também havia uma cadeira velha encostada na parede e uma camisa de força estragada, havia algumas marcas no chão que diziam claramente de que já houve outros móveis ali, mas que foram tirados há muito tempo.
Aquele quarto causava arrepios em Charlie, enquanto ele dava uma olhada geral no local, lembrava-se de todas as histórias que leu na internet sobre as coisas que teriam acontecido ali, seu coração batia cada vez mais rápido, e os relâmpagos que caiam apenas pioravam a sua situação.
E após mais um deles, ele teve a impressão de ter visto um vulto passando pelo quarto, seu coração quase saiu pela boca. Ele viu a única janela que tinha no cômodo, ela estava completamente bloqueada por tábuas de madeiras lá colocadas, o único meio de ver algo do lado de fora através delas era por alguns buracos que havia entre uma tábua e outra.
Quanto mais tempo ele passava dentro daquele local, mais rapidamente sua sanidade ia embora, foi então que ele pensou:
“Ok, acho que já vi o suficiente, hora de ir embora.”
Agora era ir pra casa e começar a buscar inspiração para escrever o conto que ele queria, ele saiu do quarto e deixou a porta aberta, agora que não tinha mais uma lanterna em mãos, teve que tomar cuidado enquanto andava, a visibilidade era muito pouca, e a única ajuda que ele tinha em relação a isso era quando caia algum relâmpago.
Mas de qualquer forma, ela via claramente a porta que ele tinha entrado entreaberta, procurou as chaves no bolso, mas lembrou de que tinha deixado às mesmas penduradas na porta, então simplesmente andou em direção dela.
Até que viu a porta se fechando diante dos seus olhos, quando isso aconteceu, Charlie correu desesperadamente na tentativa de impedir que ela se fechasse por completo, mas não obteve sucesso, ouviu-se a porta bater e depois alguém a trancando.
Charlie chegou perto da porta e começou a tentar abri-la, quando ouviu alguém fechando o cadeado dela no lado de fora, ele entrou em desespero, começou a tentar abrir de todas as formas possíveis, começou a esmurra-la, chuta-la e se jogar contra a ela na esperança de arrombar a tranca.
- SOCORRO, ALGUÉM ABRE A PORTA, POR FAVOR! - gritava ele
Foi então que ele se lembrou de que o único que estava na loja naquele momento era o velho Dupre, provavelmente ele tinha terminado de limpar o banheiro e tinha subido pra fechar a porta do último andar.
Provavelmente o velho sabia que ele tinha pego a chave na sala dele, provavelmente ele sabia que Charlie estava lá dentro, e provavelmente o maldito zelador queria que isso tivesse acontecido.
- DUPRE, SEU VELHO DESGRAÇADO, ABRA A PORTA SEU FILHO DA PUTA!
Charlie gritava inutilmente, porque ele sabia bem que mesmo que aquele velho maldito o ouvisse, ele não iria ajuda-lo.
O desespero tomou conta de Charlie, ele tentava arrombar a porta de todas as formas, mas ela parecia ser bem resistente para uma porta um tanto antiga, e aos poucos foi desistindo quando via que não tinha mais jeito, e que estava definitivamente preso ali.
Lentamente, Charlie se sentou próximo a porta ainda com uma feição de desespero no rosto.
“Calma Charlie, alguém virar por você, mais cedo ou mais tarde.” Pensou ele.
Talvez não naquela noite, mas pelo menos no dia seguinte, pensava ele, Jennifer vai reparar na falta dele, e a livraria iria abrir naquele sábado, o pessoal iria reparar que ele não estaria no trabalho, possivelmente iriam falar com a Jennifer, ela iria dizer que ele não tinha ido pra casa na noite anterior e iriam procura-lo.
E qualquer coisa, eles falariam com David, ele sabia que Charlie iria tentar entrar no último andar, ele contaria isso para os outros, ou seja, não haveria motivo para pânico, não demorariam para encontra-lo lá em cima, seu emprego estava em risco por conta disso, mas isso era uma coisa que iria se preocupar depois.
Ou seja, possivelmente Charlie só ficaria aquela noite ali, ele aguentaria tranquilamente.
Ele tentava respirar fundo e se acalmar, só precisaria de paciência, queria poder falar com a Jen, mas a bateria do seu celular já tinha acabado.
“Porque eu nunca me lembro de carregar essa merda nas horas certas?” pensou ele.
Então Charlie se levantou, e aos poucos tentou se guiar pela escuridão no local, a chuva ainda caia forte, alguns relâmpagos ainda o auxiliavam na iluminação vez ou outra, ele andava vagarosamente com medo de tropeçar em alguma coisa.
E assim ele voltou ao quarto que tinha um esqueleto deitado no chão, sempre que ele olhava para o mesmo sentia um forte calafrio. Perguntava-se do porque aquele pobre coitado acabara ali, esquecido pelo mundo e ninguém que procurasse seus restos mortais para um enterro digno.
Perguntava-se quem era ele e o que foi fazer lá, será que era algum outro curioso tipo ele próprio que foi se aventurar onde não devia?
Depois de se perguntar tudo isso, ele virou sua atenção pra janela bloqueada, foi na direção dela na esperança de achar alguém passando pela praça naquela hora, o que era difícil por causa daquela forte chuva, mas Charlie precisava ter esperanças, e esperança era tudo que o restava naquele momento de desespero.
Olhou pelo pequeno buraco entre as tábuas de madeira, sua visão já era bem limitada, e com aquela chuva apenas piorava, se alguém passava pela praça naquele momento era difícil ver. Charlie tentou inutilmente tirar as tábuas da janela, mas elas estavam muito bem pregadas.
E nessa mesma hora Charlie observou um detalhe interessante daquelas tábuas, elas pareciam novas, assim como os pregos nelas, e ele se lembra delas sempre estarem lá quando ele olhava para a janela do último andar do lado de fora do prédio, elas sempre estiveram ali desde quando ele começou a trabalhar na livraria, e por incrível que pareça a madeira não aparentava ser velha, tão pouco o metal dos pregos. Era como se alguém tivesse colocado aquilo ali recentemente.
Por um instante passou pela cabeça de Charlie a possibilidade do velho Dupre ter colocado aquilo ali pouco antes dele entrar lá, como se aquele velho maldito já tivesse planejado isso tudo. A ideia parecia ser um pouco viajada, mas Charlie não ficaria surpreso se fosse verdade, aquele cara simplesmente não era normal.
Charlie ainda tentava ver alguma coisa, ele tinha a impressão de que aquela chuva não iria parar nunca, foi então que ele gritou:
- SOCORRO, ALGUÉM? – ele tinha a esperança de que alguém do lado de fora ouvisse
- ALGUÉM ME AJUDA, ESTOU PRESO AQUI, SOCORRO!
Charlie gritava desesperadamente, nunca gritara tão alto na vida quanto agora, mas parecia que por mais alto que ele gritasse ainda assim não adiantava de nada, ninguém parecia ouvir.
Não havia nenhum sinal de que alguém tinha ouvido, ou ao menos se importado com o que acontecia ali, Charlie não via sinal de movimentação nem mesmo vindo dos vigias que provavelmente estariam na praça.
“Não é possível, alguém deve ter ouvido.” Pensava ele.
E com a garganta já doendo, ele se sentou próximo à janela, estava com fome e com sede, pensava na Jen que provavelmente estava preocupada com ele, tudo que queria naquele momento era voltar para casa. E ao mesmo tempo sentia raiva do velho Dupre, e assim jurava por todos os deuses existentes que encheria o maldito de porrada quando conseguisse sair dali.
Várias coisas se passavam por sua cabeça naquele momento, ele se sentia cansado, não fazia a menor ideia de que hora era, não tinha um relógio e não podia contar com o seu celular.
Mas de uma coisa tinha certeza, estava muito tarde, então decidiu que iria tentar dormir um pouco. Aquele chão não era nem um pouco confortável, isso sem falar que estava bastante sujo, mas mesmo assim Charlie se deitou nele, aliás, que outra opção ele tinha?
Assim ele se deitou, com esperanças de que quando acordasse na manhã seguinte alguém apareceria para tira-lo de lá, estava cansado, mas não estava com sono, enquanto estava deitado tentava não olhar para o esqueleto que estava ao seu lado, e nas poucas vezes que arriscou olhar ele tinha a estranha sensação de que a caveira dele o olhava profundamente, e quando algum relâmpago caia apenas aumentava essa sensação.
Aos poucos a chuva finalmente foi parando, e dessa forma Charlie tentou dar mais uma espiada pelos pequenos buracos entre as tábuas da janela. Pelo pouco que conseguia enxergar ele não via mais nenhuma alma penada pela praça, por um instante pensou em gritar novamente, mas estava cansado demais para isso.
Voltou a se deitar e fechou os olhos na tentativa de pegar no sono, mas enquanto tentava ele ouviu um som vindo de dentro do quarto, no mesmo instante se levantou e olhou para todos os lados de forma assustada. Era o som de alguma coisa que entrara rapidamente no cômodo, Charlie procurava o que poderia ter sido, e após olhar várias vezes ele viu que era apenas um rato, um rato bem feio para ser mais exato.
Mesmo achando a fonte do tal som ele não ficou mais tranquilo, aquele rato não parecia nem um pouco amigável, e pensou até na possibilidade daquela criatura fazer algo com ele enquanto dormia.
A cada minuto que passava Charlie sentia mais medo, era como se aquele local sugasse aos poucos a sanidade da pessoa.
Ele voltou a se deitar, ainda olhava atentamente para o rato, torcia para que aquela coisa saísse dali logo, e enquanto não o fizesse não conseguiria dormir.
E logo depois se assustou com outro som, dessa vez era o vento forte que batia nas tábuas da janela, a cada sopro as madeiras balançavam violentamente.
Charlie já não tinha mais esperanças de que conseguiria dormir, estava muito assustado para isso, o maldito rato o encarava ao lado do esqueleto-que-ali-jazia. Nessa hora ele começou a fazer algo que não fazia há muito tempo: Rezar.
Charlie nunca foi muito religioso, não era muito de rezar, apenas em situações desesperadoras, tipo aquela. E enquanto rezava ele ouviu o choro de um bebê, não fazia a menor ideia de onde vinha, mas pra ele não fazia diferença, aquilo apenas piorava a sua situação.
Depois de cinco minutos o rato finalmente deixou o quarto, mas ainda assim Charlie não ficou tranquilo, isso porque ele sabia que o maldito voltaria em algum momento. Ele se concentrava na tentativa de dormir, queria muito conseguir dormir, queria muito acordar daquele pesadelo, queria muito que aquilo fosse apenas um pesadelo, mas não era, aquilo era bastante real.
Tentava ignorar todos os sons que ouvia, além do choro de bebê ele também ouviu um grito de uma mulher vindo de longe, mas ele apenas fechou os olhos tentando ignorar aquilo tudo.
E depois de quase uma hora, Charlie finalmente conseguiu pegar no sono.
Na manhã seguinte, Charlie acordou com o calor de um fino raio solar que batia em seu rosto, um dos poucos que conseguia passar pelas tábuas da janela. Ele acordou assustado, tinha tido um sonho estranho, nele, estava no maldito quarto observando um homem preso na camisa de força, se contorcendo na esperança de se soltar, esse homem gritava desesperadamente, ele batia a cabeça na parede várias vezes a ponto de sangrar, via-se a loucura em seus olhos.
Próximo à porta havia um prato vazio, foi quando Charlie viu uma pequena abertura nela, onde provavelmente passou aquele prato de comida.
“CALA BOCA SEU RETARDADO DE MERDA!” gritou uma voz familiar vindo do outro lado da porta.
E assim o homem-na-camisa-de-força gritou mais alto ainda, como se tivesse querendo provocar seja lá quem fosse.
“NÃO ME FAÇA IR AI TE DAR UMA SURRA!” gritou o homem no outro lado da porta.
E mais uma vez o homem-na-camisa-de-força gritou.
“VOCÊ QUE PEDIU!” vociferou o homem.
Charlie viu a porta sendo aberta, quando ele ia ver o rosto do cara que gritava do outro lado da porta, ele acordou.
Estava na esperança de acordar no conforto da sua casa, como se aquilo tudo tivesse sido apenas um pesadelo doido, mas quando se deu conta de que ainda estava dentro daquele maldito quarto, do lado daquele esqueleto humano que parecia o encarar, se sentiu desesperado mais uma vez.
Não fazia ideia de que horas eram, se fosse chutar diria que era oito e meia da manhã, mas não tinha como confirmar, na situação em que ele estava, não fazia a menor diferença se fossem oito, nove, dez, meio-dia ou meia-noite, daria tudo no mesmo.
Levantou-se e tentou olhar mais uma vez pelas brechas da janela, mesmo com a pouca visibilidade se percebia um pequeno movimento na Praça Berkeley.
- SOCORRO! – gritava ele na esperança de alguém ouvir – ESTOU PRESO AQUI, ALGUÉM ME AJUDA.
Fez silêncio por um instante na esperança de alguém responder aos seus gritos.
- O MALDITO ZELADOR ME PRENDEU AQUI, ME AJUDEM, POR FAVOR.
Ainda assim não havia resposta.
“Não é possível, estou quase me esgoelando aqui, e ainda assim ninguém me ouviu?” pensou ele.
Voltou a gritar, e juntamente esmurrava as tábuas da janela, talvez daquela forma ele até conseguisse quebrar aquela madeira maldita, mas nada adiantava, nem parecia que alguém estava o ouvindo e tão pouco chegara a rachar as tábuas.
Sentia-se desgastado, com fome e com sede, e com raiva deu um soco nas tábuas da janela, sentiu a mão doer, mas tentou ignorar ao máximo.
Charlie olhou para a porta do quarto e começou a lembrar do sonho que teve, ele queria ter visto o rosto do homem-que-gritava-no-outro-lado-da-porta, a voz lhe era muito familiar, queria ver se era realmente o cara que estava pensando que era.
Ficou alguns minutos olhando fixamente para a porta, olhou bem os detalhes da pequena abertura que havia nela, sabia que o sonho que tivera tinha sido algo que realmente aconteceu ali, não duvidava disso.
Então ele resolveu sair do quarto e dar mais uma boa olhada no andar, fazia isso evitando olhar para o esqueleto-que-jazia-ali. Ao sair dali ele continuou olhando os detalhes daquela porta esperava encontrar mais alguma coisa importante nela, e quando chegou ao corredor começou a observar melhor o mesmo.
Mesmo de dia, a escuridão ainda tomava conta do local, eram poucos os focos de luz solar por ali, além das que vinham da janela do quarto os outros eram de alguns buracos que tinham em algumas partes das paredes, e dessa forma tentou se guiar.
Andava devagar tentando ver por onde pisava, foi quando houve um momento em que ele pôs a mão no bolso e teve uma pequena surpresa. Havia um isqueiro lá dentro, o que era estranho, já que não era de fumar. Charlie parou por um instante tentando se lembrar como aquilo foi parar ali, foi quando se recordou que aquele era o isqueiro de David (esse sim fumava) que ele tinha pedido pra Charlie guarda-lo por um momento por alguma razão e depois se esqueceu de pega-lo de volta.
De uma forma ou de outro aquilo ali seria útil para Charlie no momento, o acendeu e conseguiu um mínimo de iluminação, o que já ajudaria em algo, provavelmente gastaria todo o gás que ainda restava nele, mas pouco se importava com isso, se David ainda quisesse usar aquilo depois e não tivesse mais nada era azar o dele.
Ele começou a observar as paredes do corredor, voltou a ver o retrato da família cujo um dos membros estava na camisa de força, Charlie olhou esse retrato com atenção, se lembrou do sonho que teve e por isso reparou com mais atenção no homem com a camisa de força, se recordara bem, era o mesmo cara que viu em seu sonho, e ao lado dele havia outro rapaz um pouco familiar, mas que estava um pouco escondido por trás dos ombros das outras pessoas, o que dificultava uma observação mais aprofundada do próprio.
E ao lado desse retrato, Charlie viu um outro que ele não tinha percebido que estava ali quando olhou na primeira vez, era o retrato de uma mulher velha, que parecia ter sofrido bastante na vida, com uma cara que aparentava está acabada e completamente mal-humorada.
Ele olhou bem pra esse retrato, tentava supor quem teria sido aquela mulher, provavelmente tinha sido alguma antiga moradora do prédio, voltou a olhar o retrato da família na esperança de que fosse alguém de lá, mas ninguém se encaixava no perfil, pelo menos não na opinião dele.
Voltou a olhar para aquela mulher, reparou bem em seu olhar, ele expressava ódio, rancor, e qualquer outra coisa do gênero. Depois de alguns segundos a encarando, Charlie sentiu um calafrio, sentia como se aquela velha estivesse o observando, aliás, desde que acordara tinha a sensação de estar sendo observado, fosse por aquela mulher ou fosse por qualquer outra entidade que estivesse naquele local junto com ele, essa ideia o dava arrepios. Então por isso ele parou de olhar para o retrato e voltou a andar pelo corredor.
Pouco depois ele passou pelo banheiro, e lá dentro vira novamente aquele estranho rato, o que não era se surpreender levando em questão a podridão do ambiente. Quando Charlie apareceu na porta, o rato se enfiou em um buraco na parede próxima ao vaso.
E assim Charlie esperava que ele não saísse nunca mais de lá.
E pouco depois ele chegava a porta do andar, Charlie mexeu na maçaneta na esperança dela abrir, certamente, foi em vão, se sentia um tolo por achar que de alguma forma a porta estaria aberta.
Então ele decidiu encostar o ouvido na porta e tentar ouvir a movimentação da loja naquela hora, desligou o isqueiro e assim o fez, foi então que ouviu uma pequena movimentação, provavelmente à livraria tinha aberto há pouco tempo.
- TEM ALGUÉM AI? – gritou Charlie
- ESTOU PRESO AQUI EM CIMA, ALGUÉM ME AJUDA?
Esperou alguns segundos, e ainda assim nenhum sinal de movimentação próximo a porta.
- CHAMEM O MALDITO DUPRE, PORRA!
E assim começou a esmurrar fortemente a porta aos gritos de desespero.
“O que está havendo?” se perguntava.
“Ninguém realmente está me ouvindo ou está todo mundo simplesmente me ignorando?”
- DAVID, VOCÊ ESTÁ AÍ? – gritava na esperança do mesmo ouvir – ESTOU PRESO AQUI EM CIMA.
Respirou fundo e gritou:
-DAVID, PORRA!
Falava ainda esmurrando a porta.
Quando viu que nada daquilo iria adiantar, se sentou próximo a porta e fez o possível para não chorar, o desespero cada vez mais tomava conta dele, aos poucos se sentia cada vez mais perdido e sem esperanças.
Foi então que Charlie se lembrou que seu casaco e seu guarda-chuva ainda estavam lá onde tinha deixado.
“Alguém deve reparar nisso, não é possível, eles sabem que eu não sou de esquecer minhas coisas por ai, eles devem achar isso estranho” pensava incansavelmente.
Continuava ali sentado na esperança de que mais cedo ou mais tarde alguém apareceria pra resgata-lo, alguém iria ver as coisas dele ainda lá e iriam pressionar o filho da puta do Dupre, essa era a única coisa que ele tinha em mente, a única coisa que o impedia de perder a sanidade por completo.
E assim passavam-se as horas, os minutos, e os segundos, Charlie ainda perambulava pelo andar, vez ou outra fazia alguns barulhos na tentativa de chamar a atenção de alguém, mas ainda era como se ninguém o ouvisse.
Vez ou outra ele voltava a encarar os retratos nas paredes do corredor, ainda tentava identificar aquele rapaz que o parecia familiar, da mesma forma também analisava a velha mal-encarada do outro quadro, ela ainda o dava arrepios, mas por alguma razão ele esperava encontrar nela alguma resposta, alguma coisa que tivesse passado despercebido.
Evitava entrar no quarto, queria ficar o mais longe possível do esqueleto-que-ali-jazia, e também não ousava entrar no banheiro por causa do estranho rato que morava lá, mesmo quando tinha vontade de fazer xixi, ele preferiu fazer isso no canto do corredor a entrar naquele banheiro.
O relógio corria mesmo Charlie sem vê-lo, e ainda assim parecia que ninguém na loja notara sua falta, ninguém viria em seu socorro, nem sequer um sinal de movimentação quando ele fazia algum barulho.
Naquele dia a loja fechava mais cedo, às uma e meia da tarde, nessa hora Charlie fez mais uma tentativa de chamar a atenção de seja lá quem passasse, mas ainda assim de nada adiantou.
Todos tinham ido embora e mais uma vez Charlie estava lá em cima sozinho, o único que ainda se encontrava no prédio além dele mesmo era o velho Dupre, que provavelmente estava na sua sala fazendo seja lá o que fosse não se importando com seja lá com o que tivesse ocorrendo no último andar.
E quanto menor era a movimentação no local, mais assustador ele ficava, todo e qualquer ruído já assustava Charlie, isso sem falar naquele maldito rato que continuava perambulando por ali.
E pra piorar, ele sentia fome e sede, não colocava nada na boca desde a hora do almoço do dia anterior, daria tudo por uma simples sopa de macarrão, daria tudo até mesmo por um pedaço do brownie sem gosto da Jen.
Pensava bastante na Jen, se perguntava como ela estava, e o quanto ela estava preocupada, queria poder falar com ela de alguma forma, queria ouvir sua doce voz mais uma vez, só queria poder chegar em casa e abraça-la fortemente pelo resto do dia.
E aos poucos se diminuía o movimento na Praça Berkeley, no sábado de tarde boa partes dos negócios ao redor praça fechavam, no local normalmente apenas se via algumas pessoas nos bancos a procura de sossego ou um tempo sozinhos, na maioria das vezes eram casais que queriam curtir um momento juntos.
O tempo continuava correndo no relógio, a tarde se passava e Charlie se encontrava na mesma situação, andava de um canto para o outro no andar na tentativa de manter sua mente ocupada de alguma forma, checava os retratos na parede do corredor repetidamente e fazia alguns barulhos ainda tentando chamar a atenção de alguém.
Até que a noite finalmente chegou, e a Praça Berkeley se encontrava completamente vazia. Nessa hora Charlie estava no quarto tentando olhar alguma coisa pelos pequenos buracos nas tábuas da janela, após ver que não havia ninguém no lado de fora ele se deitou o mais longe possível do esqueleto-que-ali-jazia.
Tentava dormir, mas estava sem sono. Era difícil ter sono com a fome em que ele estava, queria desesperadamente comer algo, seja lá o que fosse não fazia questão de que o gosto fosse bom, era capaz até de comer o próprio braço se necessário.
Foi então que ele ouviu algo entrando no quarto, olhou rapidamente, mas sabia que era aquele rato maldito mais uma vez. Da porta ele foi direto pra perto do esqueleto-que-ali-jazia, deu uma rápida analisada na caveira e se abrigou dentro de seu olho, Charlie sentiu um forte arrepio ao ver a cena.
Ele se virou para o lado novamente e voltou a se concentrar a tentar dormir, mas os ruídos ainda o incomodavam, mais uma vez ele ouviu o choro de uma criança vindo não-sabia-de-onde, e junto também ouvia gritos de desesperos de uma mulher. Charlie fechou os olhos e começou a falar para si mesmo de que aqueles sons eram apenas coisas da sua cabeça e que nada daquilo era real.
Ouvia também o rato roendo o crânio do esqueleto-que-ali-jazia, o que o fazia sentir uma grande agonia.
Foi então que Charlie teve uma ideia que poderia resolver uma parte de seus problemas, mas que também exigiria uma grande força de vontade dele. Ele iria ter a chance de matar dois coelhos com apenas uma pancada, “coelhos” esses que seriam a sua fome, e aquele rato maldito.
Sim, Charlie estava pretendendo matar o rato e comer a sua carne, pensando daquela forma era nojento, mas era a única opção que tinha para matar a sua fome. E assim Charlie se virou para o esqueleto e esperando que o rato saísse de lá, se levantou um pouco e procurou alguma coisa que poderia usar como arma.
Achou no canto do quarto um pedaço de madeira que tinha a ponta de um prego exposto, com certeza não acharia ferramenta melhor. Ele pegou a tábua e esperou o rato observando atentamente o esqueleto-que-ali-jazia.
Poucos minutos depois o maldito finalmente saíra de lá, ele andava vagarosamente observando o quarto, parecia até que sabia que correria perigo. Charlie se aproximou lentamente do rato com a tábua levantada, estava pronto para matar aquele roedor nojento, e quando se aproximou o suficiente tentou dar o bote.
O rato percebendo o perigo, no mesmo instante saiu correndo em direção a porta, Charlie acabou acertando o chão com a tábua, por pouco não perdia o equilíbrio, mas conseguiu se manter de pé. Vendo o pequeno filho da puta saindo pela porta do quarto ele seguiu-o, o maldito era muito rápido, em poucos segundos ele atravessou o corredor e entrou no banheiro.
Ele tentou o acompanhar, mas quando entrou no banheiro a droga de rato já tinha entrado no buraco da parede. Ele ainda tentou dar alguns socos e chutes na parede na esperança de conseguir com que o rato saísse dali, mas provavelmente aquela toca levava para algum outro canto do prédio, em que aquele maldito estaria mais seguro e bem longe de Charlie.
A raiva subiu a cabeça de Charlie, começou a xingar o rato de todas as maneiras possíveis, e também no seu ataque de fúria ele chutou a porta do banheiro a ponto de solta-la das dobradiças (que já eram bastante velhas).
Ele não se daria por derrotado, agora ficaria de tocaia próximo a porta do banheiro esperando que o rato aparecesse novamente, era uma questão de sobrevivência. Se sentou no corredor, colocou o pedaço de madeira bem ao seu lado e ficou aguardando qualquer sinal de movimento vindo de dentro do banheiro, dessa vez não pretendia dormir.
O tempo foi passando e o rato não deu nenhum sinal desde a hora que entrou no buraco da parede, Charlie já se sentia cansado, mas pelo menos já ignorava os ruídos vindos Deus sabe lá de onde, apesar de tudo, aquela era uma boa forma de manter sua mente ocupada.
Ele afastou um pouco o pedaço de madeira e se deitou no chão do corredor, ainda olhava atentamente para o banheiro, mas passava-se o tempo e assim começou a sentir seus olhos pesando. E dessa forma não demorou muito para ele finalmente pegar no sono.
Naquela noite, Charlie teve mais um sonho estranho, dessa vez ele estava em pé no corredor do último andar, ele olhou para as paredes e reparou que os retratos não estavam lá. Certamente estranhou isso.
Foi então que de repente se assustou com uma movimentação, era o maldito rato saindo do banheiro rapidamente em direção ao quarto. Na hora Charlie procurou pela sua tábua, mas viu que por alguma razão ela não estava mais ali, mas mesmo assim ele seguiu o rato.
Quando entrou no quarto viu também que o esqueleto-que-ali-jazia não se encontrava lá, e no mesmo tempo em que se deparou com isso ele também viu o rato fugindo do local por entre suas pernas.
Charlie mais uma vez foi atrás do maldito, e dessa vez ele ia em direção da escada. Mas ai chegar lá teve mais uma surpresa, a porta que fechava aquele andar também não estava mais lá, ficou tão intrigado com isso que só depois se deu conta de que aquele roedor nojento tinha descido por ali.
E assim Charlie decidiu esquecer o rato por um tempo e reparou no que estava a sua volta. O andar estava com uma boa aparência, estava limpo e arrumado, foi nesse momento que se deu conta que estava sonhando.
Mas antes dele poder pensar em mais qualquer coisa, ele ouviu um grito vindo da parte de baixo da casa, era o grito de desespero de uma mulher.
- ME SOLTA, SEU DOENTE!
Ouviu Charlie, seguido do quebrar de algum objeto (supôs ele, um vaso de flores).
- VOLTE AQUI, SUA PROSTITUTAZINHA! – gritou algum homem, que pela voz já era de meia-idade.
Foi então que Charlie decidiu espiar pela escada o que estava acontecendo, e no mesmo instante viu uma jovem mulher subindo a escada correndo, ela tinha uma ferida na testa que sangrava bastante.
Logo atrás dela vinha o homem que tentava ataca-la, ele aparentava ter uns cinquenta anos e ela uns vinte. Ele a seguia com um taco de golfe em mãos e a xingando de segundo em segundo.
Em um momento na escada ele conseguiu segurar a moça pelo cabelo, e quando ele levantou o taco pra tentar acerta-la na cabeça, ela lhe deu uma tapa na cara e um chute na barriga que o fez rolar escada abaixo.
Ela voltou a correr em direção ao andar de cima, e quando lá chegou continuou correndo em direção ao quarto, Charlie resolveu segui-la. Ele conseguiu entrar no quarto junto antes que ela tivesse conseguido fechar a porta e tranca-la.
Dentro do quarto, Charlie estranhou ao vê-lo todo mobiliado, com um armário, uma cama, um criado-mudo, e outros, aquele provavelmente era o quarto da moça, mas achava engraçado esses detalhes não terem aparecido na primeira vez que ele entrou lá quando estava atrás do rato, mas ignorou isso, aliás, aquilo era um sonho, e sonhos tendem a serem sem sentidos.
Por um instante ele tentou falar com a moça que no momento tentava se esconder dentro do armário, perguntou-a o que estava acontecendo, mas aparentemente ela não conseguiu ouvi-lo, ou vê-lo. Pouco depois se ouviu os fortes passos do homem no outro lado da porta, ele tentou girar a maçaneta, mas certamente viu que a porta estava trancada, e por isso ele começou a tentar arromba-la.
- VÁ EMBORA, SEU VELHO DESGRAÇADO! – gritava a moça ainda dentro do armário.
O velho não parava, ele continuava tentando arrombar a porta, e aos poucos ia conseguindo, a madeira já sofria suas primeiras rachaduras. E depois de bastante esforço, ele finalmente pôs a porta abaixo.
Ao entrar no quarto ele foi rapidamente em direção ao armário, e quando abriu a moça lhe deu uma grande cuspida na cara e tentou correr mais uma vez. Sendo que dessa vez, mesmo tendo que limpar o cuspe dela do rosto, ele conseguiu agarra-la pelo braço e assim não a soltou.
- Agora você não me escapa. – disse ele
A moça esperneava incansavelmente tentando se soltar, gritava o mais alto que podia, e quando o homem colocou a mão em sua boca na tentativa de silencia-la, ela o mordeu. E gritando de dor, ele lhe deu um soco no rosto e a jogou na cama.
O velho começou a rasgar a parte de baixo da camisola da moça, retirou a sua calcinha e depois começou a abaixar as calças. Mas no seu primeiro momento de distração, a mulher lhe deu outra tapa no rosto e um chute nos testículos o deixando caído no chão, ela aproveitou para correr em direção à porta, mas quando passou pelo velho, ele a puxou pela perna e a derrubou também.
Ela continuou lutando contra ele, tentou por várias vezes chutar seu rosto, mas o homem continuava a puxando em sua direção. Até que um de seus chutes o acertou no olho fazendo com que ela se soltasse.
Quando ela se levantou, olhou para todos os lados tentando achar uma saída. Descer não adiantaria de nada, todas as portas da casa estavam trancadas, e lhe faltava forças para correr, foi então que ela olhou para a janela do quarto, mas ao mesmo tempo percebia que o velho estava se levantando, ele pegava seu taco de golfe e se preparava para ir em sua direção.
Ao perceber isso ela correu em direção da janela, parou perto dela por um instante e olhou para baixo, provavelmente calculando sua altura. Até que olhou para trás e viu o homem correndo em sua direção.
Sua reação foi se jogar da janela, Charlie ao ver a cena correu em sua direção. A expressão facial do velho passou de “raiva” para “horror” em poucos segundos, e alguns segundos depois estavam os dois no parapeito da janela olhando para o corpo da moça que estava jogado no chão da rua.
A agitação chamou a atenção dos moradores ao redor da praça, então nas outras casas viam-se as luzes sendo acesas e pessoas saindo para ver o que tinha acabado de acontecer.
- Não... – falava o velho desesperado – minha sobrinha.
Isso chamou a atenção de Charlie, acabara de se lembrar das histórias que tinha lido na internet sobre o prédio, e que uma delas era exatamente aquela que ele tinha acabado de presenciar, a moça que caía da janela enquanto tentava fugir do tio tarado.
Foi então que nessa hora ele começou a sentir uma coceira estranha no rosto, e mesmo quando ele a coçava, ela não parecia passar...
E quando se deu conta ele acabara de acordar no meio do corredor empoeirado do último andar, e a coceira que sentia era aquele rato fedido que andava por cima do seu corpo. Ao perceber isso Charlie se levantou de susto, fazendo com que o rato fosse arremessado para perto do banheiro, ele pegou a tábua e partiu para cima dele, mais uma vez sem sucesso, já que o maldito se enfiara no buraco da parede de novo.
Charlie mais uma vez sentiu a raiva lhe subir a cabeça, raiva essa que se misturava com o nojo que sentia pelo rato ter andado por cima do seu rosto.
Até que se deu conta de que era domingo, ou seja, a loja não abria naquele dia, o que significava que provavelmente aquele seria mais um dia em que ele ficaria lá preso com a esperança de alguém aparecer para tira-lo de lá, mas sem ter a certeza de que alguém tenha se dado por sua falta.
Enquanto isso, Charlie continuava na sua tentativa de manter sua mente ocupada de alguma forma, fazia as mesmas coisas repetidamente. Perambulava pelo andar, encarava os retratos na parede do corredor, fazia barulho na esperança de alguém o ouvir ali, e esperava o rato sair da sua toca, isso tudo sempre com a tábua em mãos.
As horas passavam, e cada vez mais Charlie enfrentava o ócio, aos poucos ele sentia sua sanidade sendo sugada aos poucos, muitas vezes ele ficava pensando na Jennifer na tentativa de não ficar louco, mas às vezes parecia que isso apenas piorava a sua situação. Ele estava preocupado com ela, queria se comunicar com ela de alguma forma e dizer-lhe tudo que aconteceu desde o momento em que entrou naquele local.
Ele buscava tranquilidade na imagem de Jen, mas parecia que isso não adiantava muito, apenas o deixava mais preocupado.
E as horas continuaram a passar, e Charlie ainda esperava o maldito rato aparecer, o movimento na Praça Berkeley naquele dia era muito pouco, nenhum dos estabelecimentos ao redor eram abertos em dia de domingo.
Em alguns momentos, quando Charlie olhava por entre os buracos das tábuas que tapavam a janela, ele via umas poucas pessoas passarem pela praça, boa parte delas eram casais que procuravam por um momento só para eles. Nessas horas, ele mais algumas vezes fazia algum barulho pra tentar chamar a atenção, continuava sem adiantar nada.
Apesar de que houve um momento em que uma família passava por lá, um pai, uma mãe e uma filha, nessa hora, Charlie fez mais uma tentativa de chamar a atenção. Ele começou a gritar e a bater nas tábuas da janela.
Por um momento, mesmo com a visão completamente reduzida da família, ele viu que a garota tinha notado algo estranho por ali, e assim ele continuou fazendo barulho. Pouco depois ele viu que a menina falava alguma coisa com os pais, provavelmente perguntando se eles estavam ouvindo o que ela estava ouvindo.
Charlie cruzou os dedos, e rezou com todas as forças interiores que tinha para que finalmente, aquela família atendesse ao seu chamado.
Ele continuava os observando, estava depositando todas as suas esperanças naquilo, e eles continuavam a conversar, a garota insistia em algo pros pais e apontava para a livraria. Charlie tentava olhar para os rostos deles, queria ver se eles a estavam levando a sério, mas sua visão através daqueles buracos era muito limitada.
E depois de alguns minutos observando a garota tentando convencer os pais de alguma coisa que era relacionada à livraria, a família seguiu o seu caminho, acabando assim com as esperanças que Charlie tinha.
- NÃO, NÃO VÃO, POR FAVOR! – gritou ele em mais uma tentativa desesperada.
Quando os perdeu de vista começou a esbravejar de raiva, socou as tábuas das janelas repetidas vezes e quase machucou o pé chutando a parede duas vezes. Sentia-se cada vez mais desesperado.
E o relógio continuava a correr, enquanto as coisas dentro do último andar não mudavam nada, Charlie continuava na mesma situação, o rato não tinha mais botado a cara fora do buraco e o velho Dupre continuava a ignorar o que acontecia no andar de cima da loja, provavelmente ele estava sentado na sua sala rindo do desespero de Charlie.
A noite chegou mais uma vez em Londres, naquele momento o movimento na Praça Berkeley era zero. Charlie se sentia cansado, estava deitado no meio da quarto em que o esqueleto-que-jazia-ali se encontrava, queria conseguir dormir, mas o sono não vinha.
Ele continuava a ouvir os estranhos ruídos que vinham de todos os cantos, ele se perguntava onde morava aquele maldito bebê que não parava de chorar. Naquela noite, fortes ventos correram por Londres, um reflexo disso estava nas tábuas que tapavam a janela do quarto que ficaram balançando repetidamente, por um instante, Charlie teve a esperança de o vento arrebenta-las.
Mas foram apenas meras esperanças, assim como todas que ele teve desde o momento que o velho Dupre o trancou lá em cima.
Por um instante, Charlie começou a olhar para o esqueleto-que-jazia-ali, já não se assustava mais com ele. Começou a pensar quem era ele antes de chegar àquela situação, como ele teria parado ali?
E também pensou no triste fim que ele teve, ali trancado no último andar daquele prédio, sem nem ao menos ter o direito de um enterro digno, e provavelmente sem seus entes queridos saberem onde ele estava.
A caveira parecia olhar fixamente para ele, Charlie por alguns instante sentia como se o esqueleto estivesse realmente o observando, e algumas vezes ele tinha a rápida impressão de vê-lo se mover.
Até que Charlie começou a ouvir alguma coisa andando pelo corredor, dessa vez ele ficou tenso, a sensação de estar sendo observado aumentava ao passar das horas dentro daquele inferno. Essa coisa se aproximava cada vez mais do quarto, ele ouvia pequenos passos rápidos se aproximando da porta que estava aberta.
Quando percebeu que essa “coisa” tinha passado pela porta, ele ousou olhar. Mas viu que era apenas aquele maldito rato. Ele começou a rir consigo mesmo com aquela situação, por alguma razão, ele achava que algo monstruoso estaria entrando ali naquele quarto, foi quando Charlie percebeu que ele não estava bem e que a tentativa dele de não ficar doido estava fracassando.
Mas logo após pensou:
“Finalmente esse filho da puta saiu do buraco.”
Foi então nesse momento que ele voltou a ter a tábua em mãos, iria fazer mais uma tentativa de abater aquele roedor fedido.
Àquela altura sua fome já estava o afetando psicologicamente, Charlie não sabia mais o que era por um alimento na boca, e a sede também só piorava sua situação, e se ele queria melhorar um pouco isso não podia perder aquela tentativa.
Ele se levantou vagarosamente com a tábua em mãos, o rato naquele momento estava checando alguma coisa no esqueleto-que-jazia-ali, Charlie aproveitou para se aproximar. Tentava fazer o mínimo de barulho possível, não queria assustar o maldito até a hora certa, dava um passo após o outro o mais devagar possível.
E o rato continuava distraído sem saber o que enfrentaria ali, continuava a cheirar o esqueleto logo à frente a procura de alguma coisa que o interessasse.
Quando Charlie se aproximou o suficiente, ele foi levantando a tábua já pronto para dar o bote. Mas por um momento, o rato parou olhando atentamente para algo, para Charlie, pareceu que o maldito tinha percebido que algo estava errado, até que rapidamente, o roedor olha na direção dele.
Foi nessa hora em que Charlie tentou acertar o rato com a tábua. Na primeira tentativa o maldito foi rápido e conseguiu desviar, e logo em seguida ele correu em direção à porta.
A raiva subiu a cabeça de Charlie, e dessa forma ele foi atrás do roedor com todas as forças que ainda lhe restava, e assim ele correu com uma rapidez que ele nunca imaginara ter antes, ele conseguia acompanhar os passos do rato, sendo o mesmo bastante rápido.
Ele estava decidido a não descansar naquela noite se não conseguisse abater aquele roedor nojento, em outro momento ele estava próximo o suficiente para tentar bater no rato mais uma vez, mas o nervosismo e sua baixa sanidade fez com que ele errasse mais uma vez.
Charlie não conseguia mais raciocinar, após a segunda tentativa ele olhou para o rato correndo em direção ao banheiro, seu campo de visão não estava mais nítido, se sentia um pouco tonto, por um instante pensou que fosse desmaiar.
O rato parou em frente a porta do banheiro e olhou para ele, provavelmente estava checando se ele iria tentar mais alguma coisa. Charlie encostou-se a uma parede para não acabar caindo, olhou para o rato teve a impressão de ver três dele.
“A fome deve estar realmente me afetando” pensou Charlie.
E dessa forma ele foi se concentrando em por a sua cabeça no lugar, tentou de todas as formas se manter firme, e quando ele se sentiu um pouco melhor se pôs de pé novamente.
Voltou a olhar para o rato, e dessa vez o via nitidamente, sendo que o maldito já estava em frente a porta do banheiro e com uma distância considerável dele, se tentasse correr em sua direção iria assusta-lo e ele iria se enfiar no buraco da parede mais uma vez para sair Deus lá sabia quando.
Então ele levantou a tábua mais uma vez, mas dessa vez iria tentar acerta-lo a distância, deu um grande suspiro, aquela provavelmente seria a sua última tentativa, e ele ainda não se sentia cem por cento bem, mas iria arriscar da mesma forma.
Tentou mirar bem, mesmo isso sendo difícil para ele naquele momento ainda tentava manter a cabeça no lugar, e quando se sentiu preparado ele arremessou a tábua em direção ao rato.
Quando o fez ele não conseguiu manter o equilíbrio, então após fazer o arremesso Charlie foi ao chão. Não chegou a ver se tinha acertado ao seu alvo, quando estava no chão os ruídos ao seu redor ficaram mais altos, por um instante teve a impressão de alguém ter sussurrado algo no seu ouvido, algo em alguma língua que ele não compreendia, também não sabia se aquilo era um sussurro ou apenas o vento soprando em sua orelha.
Charlie não sabia mais nada na situação em que estava, e possivelmente aquilo poderia ser apenas um pesadelo em que ele nunca iria acordar.
Quando recuperou um pouco a sua consciência, ele tentou se levantar e olhou para onde a tábua tinha caído. Nesse momento, vira que mesmo não estando bem psicologicamente ele conseguira o que queria, ele tinha acertado o rato.
O roedor maldito tinha sofrido um arranhão do prego que estava na tábua, e agora tentava cambalear em direção ao banheiro, certamente a sua velocidade não era a mesma, ele se esforçava para andar o mais rápido que conseguia mesmo com uma ferida nas costas.
Charlie se levantou e foi em direção a tábua, já se sentia bem o suficiente para fazer isso, aliás, se sentia alegre por ter conseguido acertar aquele maldito, e quando ele pôs mais uma vez a tábua em mão, a segurou firmemente e se preparou para acertar o rato mais uma vez, dessa vez para mata-lo.
Garantiu que dessa vez o prego perfurasse a pele do rato quando deu a primeira paulada, ouviu-se o guincho de dor que o maldito dera após ser atingido, aquilo era música para os ouvidos de Charlie. E assim continuamente ele foi batendo cada vez mais naquele roedor nojento.
A cada paulada os guinchos de dor do rato iam ficando cada vez mais fracos, seu sangue já formara uma poça no chão, e aos poucos se via a sua respiração morrer, aquele era o trágico fim para aquele rato maldito.
Charlie soltara a tábua após perceber que o roedor não respirava mais, o virou de barriga pra cima e o tocou para ter certeza de que estava morto, seus sapatos estavam sujos de sangue, mas ele não ligava mais para isso, finalmente teria um jantar naquela noite.
A carne do rato não parecia ser saudável, mas a única coisa que Charlie queria naquele momento era comer alguma coisa, independente do que fosse, e assim começou a se “deliciar” com o seu jantar. O gosto era horrível, mas pouco importava para ele, aquilo ainda assim matava a sua fome.
E para matar a sua sede, Charlie tomava um pouco do sangue do rato, não adiantava de muita coisa, mas já ajudava em algo.
Após comer uma parte da carne do rato, Charlie se sentou encostado na parede para descansar um pouco, sua boca estava toda suja de sangue, e sua camisa estava toda manchada. Ele olhou para o rato mais uma vez, a fome não fora embora por completo, mas aquela possivelmente seria sua única fonte de alimento até quando ele conseguisse dar um jeito de sair dali, então resolveu guardar o resto para outra hora.
“Mas será que a carne não iria estragar se eu fizesse isso?” pensou por um instante.
Mas depois de pensar mais um pouco sobre isso, ele disse para si mesmo:
- Dane-se!
E pelo resto da noite ele ficou ali encostado na parede próxima ao banheiro, olhando para o nada e se distraindo com Deus lá sabia o que. Àquela altura, ele não ligava mais para os ruídos ao redor dele.
E um pouco depois disso tudo, ele conseguiu pegar no sono, esse momento possivelmente foi à prova de que a frase “barriga seca não dá sono” é verdade.
E os próximos três dias todos pareceram iguais para Charlie, mesmo com o movimento da loja nos dias normais ninguém parecia ouvi-lo lá em cima, em certos momentos ele até desistia de tentar, apenas fazia gastar energia à toa.
Tentou aproveitar a carne do rato aos poucos, no dia seguinte ela já estava um pouco podre, mas Charlie não se importava mais com isso. Depois de três dias a sua sanidade já não existia mais, ele não sabia mais distinguir o que era real e o que era apenas coisa da cabeça dele, agora tinha a impressão de sempre que passava pelo corredor o retrato da mulher velha o seguia com o olhar.
No quarto dia já se não havia mais carne no corpo do rato, a ponto de Charlie começar a roer os ossos do animal para enganar a barriga, isso sem falar nas vezes em que ele comia algum inseto que passava pelo recinto (aranhas, formigas, baratas, e em um caso específico, uma mariposa).
Todos os dias Charlie se perguntava se alguém estava a sua procura, fosse Jennifer, David, a sua família, qualquer um, e se perguntava também o que teria acontecido com os seus pertences que ficaram pendurados próximo a porta da loja, se por um acaso se ainda estariam lá ou se o velho Dupre se livrou deles.
E todas as noites, Charlie sonhava com alguma coisa que ocorreu no prédio no passado, sempre acabava dando um passeio pelas histórias sombrias do local. Nas noites seguintes, sonhara com a cena em que um empregado da casa assassinou uma garota no último andar, aquele era seu quarto na época em que morava lá, ela brincava com as suas bonecas de pano quando o criado da casa entrou e lhe cortou a garganta.
Nas outras duas noites, ele sonhou com a senhora que passou uma noite no último andar e foi encontrada completamente fora de si e com o homem que no dia seguinte também passou uma noite no andar e foi encontrado morto no outro dia, o mesmo teve a sua morte gravada em áudio. No sonho, as autoridades checaram as gravações para tentar descobrir o que aconteceu lá dentro, mas o que conseguiram ouvir foram apenas os gritos do homem e ruídos indecifráveis.
Foi depois desse sonho que Charlie resolveu se dedicar ao máximo a juntar todas as pistas sobre aquele lugar, não se baseando apenas nos sonhos, mas também nos retratos do corredor e as coisas que ele já tinha pesquisado antes de entrar lá.
Não tinha nada para anotar, mas ele conseguia juntar as peças na sua memória, ou pelo menos partes delas. Todos aqueles sonhos realmente tinham acontecido ali, os retratos eram de antigos moradores do local, e entre eles estava o homem da camisa de força, cujo viu em um de seus sonhos. Mas as questões principais eram, quem era aquela senhora do quadro no corredor, porque que o rosto de um dos integrantes da família do homem da camisa de força lhe era familiar, e principalmente, quem era aquele esqueleto-que-ali-jazia e porque ele foi parar lá?
Naquele dia Charlie nem chegou a se preocupar em fazer algum barulho para chamar a atenção de seja lá quem fosse, e se concentrou apenas em ligar as peças, nem mesmo os ruídos vindos do além o incomodaram.
Quando a noite voltou a cobrir o céu de Londres, outra forte tempestade veio junto, mas nem isso pareceu incomodar Charlie. Talvez a loucura já tenha tomado conta de sua mente por completo, àquela altura não sabia mais se aquilo tudo que ele ouvia era real, e também vez ou outra ele tinha algumas alucinações.
Muitas vezes ele olhava para a porta do quarto e jurava ver alguém ali parado o observando, ás vezes tinha a impressão de ouvir os passos do rato, sendo que depois Charlie lembrava que o mesmo estava morto e que sua carcaça estava ao seu lado sendo tomado pelas moscas,
Ás vezes também tinha a impressão de ver o esqueleto-que-jazia-ali mover a boca como se tentasse falar algo, mas talvez isso ocorresse porque ele muitas vezes ficava olhando fixamente para o mesmo, como se realmente esperasse que ele lhe dissesse alguma coisa.
Era engraçado, porque no início Charlie evitava ao máximo olhar para o esqueleto, mas parecia que agora ele fazia questão de ficar o encarando, ele esperava encontrar alguma resposta fazendo isso.
O céu parecia que ia cair sobre Londres, aquela era mais uma noite de tempestade com fortes trovões, da mesma forma que foi a primeira noite em que Charlie passou dentro do último andar, sendo que a diferença agora era que ele não se importava mais com os trovões, não se importava mais com nada.
E ainda encarando o esqueleto-que-jazia-ali, e com os trovões iluminando vez ou outra o quarto do último andar, Charlie aos poucos pegou no sono.
Charlie teve a sensação de apenas alguns minutos terem se passado após acordar por alguma razão que nem ele mesmo sabia explicar porque, ainda era de noite e a tempestade ainda caia do lado de fora.
Que horas eram? Ele não tinha mais noção disso há um tempo, e também não fazia mais diferença para ele ser onze da noite ou quatro da manhã. Ele olhou ao seu redor e não viu nada de diferente, os trovões ainda iluminavam o quarto vez ou outra e o esqueleto continuava ali onde sempre estava.
Ele se se levantou um pouco e andou em direção à janela, olhou pelas pequenas brechas entre as tábuas e viu a Praça Berkeley completamente deserta, nada fora do esperado.
Charlie se virou e andou um pouco ao redor do quarto como se estivesse procurando algo, o que era que ele estava procurando, nem ele mesmo sabia. Os trovões tinham cessado por um momento, então por isso a sua visibilidade do quarto estava quase zero.
Foi então que ele se lembrou do isqueiro do David que ainda estava no seu bolso, não o utilizava fazia alguns dias, por isso ainda havia gás o suficiente nele. Ele o acendeu, a luminosidade do objeto era pequena, mas já ajudava em algo, Charlie procurava pela porta do quarto, o sono tinha ido embora e ele queria circular um pouco pelo local a procura de alguma coisa.
Enquanto procurava a porta Charlie ouviu um barulho estranho que vinha de dentro do quarto, de algo que provavelmente estava perto dele, ele tentou procurar o que era, mas a baixa visibilidade não o ajudou, no entanto acabou desistindo e seguiu procurando a porta do quarto.
Charlie foi andando vagarosamente apalpando a parede, ainda não sentia a maçaneta da porta, e mais uma vez ouviu o barulho de algo se movendo no quarto, mas dessa vez ignorou.
Até que finalmente sentiu a porta, ela estava fechada. Charlie tentou lembrar-se de quando a tinha fechado, mas essa memória não vinha em sua mente, mas logo em seguida esqueceu isso e tentou abri-la.
Sendo que, a porta estava trancada.
Nesse momento, Charlie entrou em desespero, já não bastava estar preso no andar em si, agora também estava preso naquele maldito quarto. Desligou o isqueiro por um instante, o guardou no bolso e tentou forçar a porta a se abrir, mas por mais força que ele fizesse, não adiantava de nada, ela parecia estar trancada pelo lado de fora.
Foi então, durante esse desespero, que os sons que vinham de dentro do quarto passaram a ficarem mais fortes, dessa vez Charlie tinha certeza de que havia algo com ele por ali, foi quando seu desespero chegou a um nível elevado, em que ele tentou arrombar a porta jogando o seu corpo contra ela.
Até que ele começou a ouvir passos vindo em sua direção, o medo já tomava conta dele, não fazia ideia do que poderia ser aquilo, e sem o isqueiro ele não conseguia ver um palmo a frente do nariz.
Rapidamente ele tentou pegar o isqueiro no bolso, sua mão tremia, e os passos vindo de seja lá o que fosse aquela coisa estavam cada vez mais próximos. Quando estava finalmente com ele em mãos, ele o acendeu com dificuldade, falhando três vezes, Charlie estava virado para a parede com medo de ver o que vinha em sua direção.
Até que ele finalmente se virou com o isqueiro ligado, e ficou perplexo com o que via, a claridade era baixa, mas ainda assim ele conseguia ver perfeitamente o que era aquilo, e não acreditando no que estava na sua frente, o seu desespero já tomava conta dele por completo.
O esqueleto-que-jazia-ali não jazia mais ali, ele estava agora em pé bem à frente de Charlie, seu crânio mesmo sem olhos parecia observar a alma dele.
Charlie queria gritar, mas não encontrava mais forças para isso, estava paralisado diante daquela coisa que o observava, o esqueleto parecia suspirar bastante diante dele, mesmo não precisando de oxigênio.
Até que em um momento, aquela coisa parecia tentar gritar algo, mas a única coisa que se ouviu vindo de sua boca foi um berro indecifrável, e junto com ele Charlie também começou a gritar, queria acreditar que aquilo que ele via não era real. Após ele também gritar, o esqueleto segurou o seu pescoço e começou a estrangula-lo.
Charlie lutou contra aquela coisa, deixou o isqueiro cair, mas aquilo pouco importava no momento, os ossos do esqueleto eram velhos, mas ainda assim eram fortes o suficiente para ele não conseguir tira-lo de seu pescoço.
Aquela coisa era forte, aos poucos Charlie estava ficando sem ar, se sentia cada vez mais fraco, o isqueiro ainda aceso no chão o permitia ver um pouco do crânio daquela coisa, um pouco daquele olhar vazio e maligno. Sentia suas forças indo embora, mas mesmo assim não desistia de lutar pela vida.
Não conseguia mais gritar, não conseguia mais respirar, nem lutar conseguia mais, sua visão já estava embaçada, ele não conseguia mais ver nada claramente, suas mãos estavam soltando os dedos do esqueleto, se esforçava para continuar lutando, mas suas forças não deixavam mais.
Em seus últimos suspiros, em seu último momento de consciência, ele viu uma coisa estranha saindo da boca do esqueleto, não tinha certeza do que era, aliás, não tinha certeza de mais nada àquela altura, tentava identificar o que era aquela coisa.
Até que em um momento, ele conseguiu recuperar um pouco da consciência, e viu que o que saia da boca daquele esqueleto era um rato, parecido com aquele mesmo que ele tinha matado, aliás, era o mesmo rato, sendo que mais ensanguentado, com bastantes feridas expostas e muito mais feio.
Nada mais fazia sentido para Charlie naquele momento, aquele provavelmente era o seu fim, mas por incrível que pareça ele não conseguia ter nenhuma lembrança da sua vida enquanto isso. Ele estava preparado para a morte, e no seu último momento de consciência, sua visão foi a do rato cadavérico pulando em sua direção...
Até que ele acordou... dessa vez de verdade.
Charlie se levantou assustado, a tempestade ainda caia sobre Londres, assim como os trovões, e os mesmo o davam um pouco de visibilidade quando caiam.
Ele quando se levantou, procurou onde estava o esqueleto-que-jazia-ali, para o alívio dele, a coisa ainda estava lá onde sempre esteve, e mais importante de tudo, ainda morto. Também procurou a porta do quarto, e felizmente viu que ela estava entreaberta.
Quando Charlie se virou para o esqueleto, a raiva lhe subiu a cabeça, mesmo aquilo tudo tendo sido apenas o sonho, ele se sentia irritado com aquele maldito esqueleto, talvez realmente acreditasse que aquela coisa poderia criar vida de repente e tentar mata-lo de verdade.
Por mais sem lógica que aquilo parecesse, ele não queria correr o risco, todos os tipos de possibilidades passavam por sua cabeça, e naquele momento, o esqueleto representava uma ameaça.
Então por isso, Charlie se aproximou daquela coisa e chutou o seu crânio na parede, ao contrário do sonho, os ossos não eram tão fortes, e provavelmente ele formou uma rachadura no mesmo quando atingiu a parede. Ainda com raiva ele também pisoteou as costelas do esqueleto.
Nessa movimentação a mão do esqueleto se abriu, e caiu uma pequena bola de papel dela, foi no mesmo instante que um relâmpago iluminou o quarto. Aquilo chamou a atenção de Charlie, aquilo poderia ser apenas uma simples bola de papel, mas ele quis checa-la de qualquer forma, algo lhe dizia que aquilo o daria alguma resposta.
E assim ele pegou a bolinha, e a abriu, a escuridão não o deixava enxergar bem o que estava escrito nela, então ele pegou o isqueiro que estava no seu bolso e o acendeu. E dessa forma ele começou a ler o que tinha escrito lá, descobrindo coisas que acabariam com as suas dúvidas de vez.
Eram várias páginas amassadas juntas, o papel aparentava ser antigo então Charlie tomou todo o cuidado possível ao maneja-lo. Havia um longo texto escrito nelas, uma carta, provavelmente, uma carta escrita por seja lá quem tenha sido aquele esqueleto.
Quando se deu conta disso, ele sabia que provavelmente ali estaria escrito boa parte das respostas para as suas perguntas constantes sobre aquele local, sendo assim Charlie finalmente via uma luz no fim do túnel, era disso que ele precisava.
Então ele se sentou, encostou-se na parede, colocou o isqueiro em boa posição, e começou a leitura, que pelo tamanho da carta, seria longa. Na carta, encontrava-se escrito o seguinte texto:

Olá, se você está lendo, é porque eu já estou morto, e espero que você tenha encontrado essa carta porque finalmente encontraram meu corpo aqui em cima, mas se você for alguém que cometeu o mesmo erro que eu de entrar nesse lugar maldito e ficar preso aqui dentro, só lhe dou meus pêsames, e aviso que se você ainda tem alguma esperança de sair daqui apenas esqueça, pode ser duro ter que saber disso, mas é a verdade.
Estou escrevendo essa carta na esperança de que alguém saiba a minha história, e também para avisar qualquer outro pobre coitado que ousou entrar aqui do seu terrível destino.
Mas antes, vamos começar com quem eu sou. Meu nome é Richard, no momento em que escrevo essa carta eu tenho 22 anos e sou vendedor da livraria a mais ou menos um ano.
E caso esteja curioso, hoje é dia 06 de abril de 1996, pelo menos eu suponho que seja, estou preso aqui há quase uma semana, já perdi completamente a noção de tempo. Tenho fome e sede, por esses dias eu bebi um pouco da água da privada do banheiro para enganar um pouco a barriga, é péssima, eu sei, mas era a única opção que eu tinha.
E para não morrer de fome eu comi alguns insetos, mas como eles não tem adiantado muito, exatamente ontem eu comi uma parte do meu pé esquerdo, o gosto é horrível, mas como eu disse, não tinha outra opção.
Agora você me pergunta como eu vim parar aqui? Pois bem, aconselho que você se sente porque a história é um pouco longa, não só envolve o que aconteceu para eu chegar até aqui, mas também pesquisas que eu fiz muito antes de eu estar nesse buraco de bosta em que estou.
Tudo começou em um dia que eu estava na livraria limpando alguns livros antigos, até que no meio daquela velharia eu encontrei uns recortes de jornais que particularmente me deixaram um pouco intrigado, falava exatamente da macabra história do prédio nº 50 da Praça Berkeley, o exato prédio em que nos encontramos nesse momento.
Eram histórias sobre várias mortes que provavelmente ocorreram por aqui há muito tempo atrás, e que por isso o local é assombrado e que o último andar é o centro de todo o horror que esse lugar guarda.
Eu sinceramente nunca acreditei muito nessas baboseiras, pelo menos até certo tempo atrás, mas de uma forma ou de outra, essas histórias me deixaram um tanto curioso, então resolvi dar uma pesquisada mais a fundo no assunto.
Dediquei um mês da minha vida a essas pesquisas, nem eu mesmo entendia o porquê de querer de saber mais detalhes sobre essa besteira toda. Procurei outros jornais, alguns livros que falassem dos locais assombrados de Londres, e também conversei com moradores da Praça Berkeley.
Fim das contas, descobri muitas histórias bizarras sobre esse lugar, muitas delas até cruéis, histórias essas que se você está aqui preso também já deve saber como elas são, mas se você não sabe, vá por mim, continue dessa forma, não vale a pena saber, é de tirar o sono.
Ainda havia o fato de que o último andar hoje é trancado e que ninguém tem autorização para entrar nele, o que me deixou muito mais curioso em relação a essa história toda. Passei dias e noites me perguntando o que havia naquele andar, passava noites sem dormir apenas imaginando nas possibilidades.
E ainda havia mais um pequeno detalhe, que pode parecer até besteira, mas me dava muitos calafrios só de pensar. Há um funcionário da loja que me tira do sério, o zelador para ser mais exato, o nome dele é Dupre, e duas coisas me incomodavam nele, a primeira é o fato de não lembrar o porquê que aquele nome me era familiar, e a segunda era porque ele vivia olhando não só pra mim, mas também para todos da loja como se estivesse planejando algo maligno contra nós, eu sempre procurei evita-lo.
Até que um dia eu fiquei decidido de tirar todas as minhas dúvidas sobre aquele lugar da melhor forma possível, e essa forma seria entrar no último andar, mas como eu iria fazer isso... Essa era uma boa pergunta.
Então em um “belo” dia eu resolvi ficar até um pouco mais tarde na livraria e esperar algum momento que o velho Dupre bobeasse e eu conseguisse entrar na sala dele e pegar as chaves do último andar, e por incrível que pareça isso não foi muito difícil, porque bastou apenas um momento em que ele foi limpar uma bagunça que fiz no banheiro para eu entrar lá, e pegar as chaves, que para a minha surpresa estavam bem à mostra penduradas em um chaveiro.
E eu achando que elas estariam protegidas a sete chaves dentro de um cofre ou em algo parecido, fiquei bastante intrigado.
Conseguindo as chaves, eu subi até o último andar, abri a porta com calma e finalmente, estava dentro do temido local, e tenha certeza, esse local me deu arrepios desde o princípio.
No primeiro momento em que estive dentro desse inferno, eu fiquei imaginando todas as terríveis histórias que ocorreram aqui dentro, o que me deixava mais tenso ainda, qualquer ruído me assustava, acho que posso dizer que nunca tinha sentido tanto medo assim em toda a minha vida.
Vasculhei bem o local a procura de algo interessante, e o máximo que eu achei foram aos retratos do corredor, comecei a analisa-los, e desde o princípio eu sabia de que encontraria algumas respostas nele, chegarei nessa parte mais a frente. E no retrato da família eu tive a impressão de reconhecer um homem que está nele, mas não conseguia me lembrar do porque que me era tão familiar, ou onde já teria visto esse cidadão.
Depois de alguns minutos eu já não suportava mais estar dentro desse local maldito, então me dei por satisfeito com tudo que vi e fui sair dali o mais rápido o possível, antes que minha sanidade fosse para o saco.
Sendo que foi a partir daí que esse grande pesadelo começou para mim, quando cheguei perto da porta, eu vi o maldito zelador a fechando e me trancando lá dentro. Gritei desesperadamente, implorei para que o filho da puta abrisse aquela merda, mas sabia que nada adiantaria.
E assim começou esse maldito pesadelo, mesmo com todo o barulho que eu fazia, parecia que ninguém me escutava, ninguém ligava, ou sei lá. Passei dias dentro dessa merda de lugar fazendo apenas as seguintes coisas: Nada, barulho e andar de um lado para o outro sem rumo nenhum, e observando os retratos do corredor enquanto isso, procurando alguma resposta neles.
Depois de uns três dias a minha fome já estava em um nível insuportável, foi quando eu tive que apelar para a autofagia, começando com os dedos do pé, e da mesma forma que a minha fome aumentava, a minha sanidade ia embora aos poucos, passei a ter aquela chata sensação de não saber mais o que era e o que não era real.
Todas as noites eu ouvia alguma barulho estranho, fosse porta rangendo, janela batendo, vidro quebrando, choro de crianças, e nunca fazia ideia de onde vinham esses sons, na minha cabeça eles eram todos do além, ou apenas coisa da minha imaginação mesmo.
E também todas as noites eu tinha esses sonhos estranhos, onde eu nunca participava deles, apenas observava sem poder interferir. Eu sonhava com os horríveis acontecimentos que ocorreram naquele andar, todos aqueles cuja eu já tinha lido anteriormente. Era agoniante ver aquelas coisas horríveis ocorrendo bem diante dos meus olhos e não poder fazer nada, isso sem falar quando sonhei com o doido que era mantido preso pelo irmão no quarto desse mesmo andar, em que eu reconheci o homem que entrava no quarto o ameaçando se ele não calasse a boca, era o mesmo que reconheci no retrato da família que estar no corredor.
Foi quando me dei conta de que esses sonhos também me dariam as respostas para as minhas perguntas, e aquele rapaz era o elo principal daquilo tudo. A partir daí eu passei a dedicar boa parte do meu tempo tentando ligar os pontos, começava a lembrar de tudo aquilo que pesquisei antes de acabar preso nesse inferno em forma de prédio.
Chegou a um momento que eu passei a ignorar tudo ao meu redor, a fome, a sede, a dor, os ruídos estranhos, tudo. Minha preocupação maior era desvendar aquilo tudo, já tinha ignorado o fato de ter se passado cinco dias e ninguém parecia ter vindo a minha procura, apesar de que eu também poderia encontrar a resposta pra essa pergunta também.
E antes de continuar, se você for outro mero infeliz que cometeu o mesmo erro que o meu e acabou preso aqui também, devo avisa-lo que verdades não muito legais serão esclarecidas nessa parte da carta, pois então eu recomendo que se prepare bem psicologicamente antes de seguir adiante, pode ser chocante.
Tendo isso em mente e com a cabeça preparada com o que estar por vir, pode seguir adiante, e lhe desejo boa sorte e muita força nesse momento.
Foi após um longo cochilo que eu comecei a ligar os pontos, tudo começou a fazer sentido, os sonhos, os retratos do corredor, as histórias todas desse lugar, e até mesmo o filho da puta do Dupre, pior ainda, o velho é o elo principal dessa merda toda.
A resposta veio após eu ter sonhado com esse puto me espancando enquanto eu estava preso em uma camisa de força e sentando em uma cadeira com as pernas amarradas, e exatamente dentro desse quarto maldito, no momento em que ele ia me açoitar com um chicote, eu acordei.
Foi então que todas essas coisas se passaram na minha cabeça como se fosse um filme, inclusive todo o processo que passei para pegar as chaves e entrar nesse inferno, e a partir daí tudo começou a se conectar.
E eu finalmente lembrei o porquê que o nome “Dupre” me era familiar, era o nome de um dos antigos donos daquela casa, mas específico o homem que mantinha o irmão doido preso no quarto do último andar, o mesmo que apareceu no meu sonho, e o mesmo que está no retrato da família no corredor.
Certamente, no sonho e no retrato ele está mais jovem, mas isso tudo me leva a entender que o velho zelador é algum parente do Sr. Dupre, ou pior ainda, é o próprio Dupre que viveu aqui há anos atrás, o que não faz sentido, já que segundo a história, ele viveu ali nos anos de 1800, ou seja, supostamente já era para o velho ter virado pó. E se aquele zelador for realmente o Dupre original, isso torna a história cada vez mais assustadora.
Enquanto o retrato de mulher velha que também está no corredor, eu suponho que seja a mãe dele. Isso porque essa mesma mulher também está no retrato da família, um pouco mais difícil de reconhecer, mas está. Sendo que ela estava mais sentada ao centro, e também no meu último sonho eu reparei que o velho Dupre carregava consigo o mesmo retrato dela no colar em seu pescoço.
Então a partir daí eu comecei a me perguntar: Há quanto tempo o velho Dupre está nessa casa? Segundo os funcionários da livraria, ele trabalha aqui a mais ou menos 30 anos, mas se tratando de um Dupre (ou o próprio Sr. Dupre em pessoa) tenho certeza que é há muito mais tempo.
E talvez isso explique o porquê que ele sempre agiu estranho com todos dentro da loja, nunca pareceu gostar de ninguém, nem sequer deu um “bom dia” de boa vontade seja lá pra quem fosse desde o meu primeiro dia. Muitas vezes eu olhava para ele e tinha a sensação dele estar planejando algo maligno contra a gente, na época eu achava que era só viagem minha, mas agora faz sentido.
E digo mais, por mais doido que isso pareça, tenho certeza que isso tudo que estou passando é um plano dele. Ele planejou essa merda toda e nesse momento deve estar rindo da minha cara, desde o princípio ele queria que eu entrasse nesse maldito último andar, isso explica o porquê que a chave estava tão exposta na sala dele sem proteção nenhuma.
E certamente, ele próprio que trancou a porta me prendendo aqui dentro, e o mesmo não moveu um dedo para me tirar daqui mesmo sabendo que eu estava aqui.
Porque ele fez isso, eu não sei talvez ele seja realmente doido, o que é mais provável, talvez ele tenha alguma outra razão específica, enfim, o fato é que eu não faço a menor ideia.
Em uma das minhas teorias, eu suponho que ele queira manter a “maldição” desse lugar, talvez essa seja a missão dele, e talvez seja por isso que o Dupre esteja ai até hoje. Outra teoria que eu tenho é que talvez o velho esteja ligado a alguma seita e que por isso está vivo até hoje e ainda se mantem na casa seja lá como fosse, possivelmente, a alma dele já esteja ligada a esse local. Seja qual fosse a teoria, não deixa de ser assustador.
Mas é isso, se você é outro infeliz que ficou preso aqui que nem eu saiba que se você de alguma forma achou o nome “Dupre” familiar, provavelmente foi por isso.
Já estou vendo que me alonguei muito nessa carta, não sei o quanto de tinta a minha caneta ainda tem, então serei direto nessa parte que provavelmente, será a parte mais dolorosa pra você.
Se você é um azarado que acabou preso aqui que nem eu, provavelmente ainda tens a esperança de algum ser caridoso aparecer e salvar você dessa merda de pesadelo, mas sinto lhe informar de que essa sua “esperança” não passa de uma mera ilusão.
Provavelmente você também está passando por isso, não importa o quanto de barulho fizer e o quão alto for, ninguém irá te escutar, repito, NINGUÉM. Não sei por que isso acontece, mas é a verdade, eu mesmo já tentei chamar a atenção de todas as formas possíveis e parece que até as pessoas que estão nas lojas estão ignorando o fato de está tendo barulhos estranho vindo do andar de cima.
Pode parecer loucura minha, mas a impressão que eu tenho é que algum “feitiço” foi lançado impedindo que as pessoas ouçam meus gritos de socorro, é a única probabilidade que faz sentido para mim.
Isso sem falar no fato que nenhum conhecido meu veio a minha procura, nem mesmo meu amigo daqui da livraria que sabia do meu plano de entrar no último andar. Eu não acredito que da noite para o dia, os meus entes simplesmente pararam de se importar comigo, alguma coisa deve estar acontecendo, isso sem falar que minha mochila ficou lá embaixo pela loja, alguém deve ter a encontrado e estranhado o meu desaparecimento.
Tenho certeza que aquele velho filho da puta do Dupre está fazendo todo o possível para me deixar preso aqui em cima, deve estar se livrando de todas as evidências que provem que eu ainda estou aqui pelo prédio, provavelmente esse maldito se livrou das minhas coisas de alguma forma, isso é tudo uma merda de plano desse puto.
O que reforça ainda mais a teoria de que ele fez de tudo pra me prender aqui dentro, fez com que essa merda toda fosse possível, desde o princípio esse porra armou tudo, e juro, que se ocorrer dele aparecer na minha frente em algum momento, eu o mato com as minhas próprias mãos.
Aliás, o que ele é? Um humano? Um fantasma? Um alien? Uma merda de aparição? Um feiticeiro? Um Deus? E o que raios ele quer com isso tudo? Isso é algum tipo de missão que lhe foi designada? São muitas perguntas cuja resposta eu provavelmente nunca terei.
Mas a principal pergunta que me faço é: Um dia eu sairei daqui? E se sim, morto ou vivo? Infelizmente, eu acho que já tenho a resposta para a última pergunta.
Como já deixei bem claro, minhas esperanças nesse momento de alguém me encontrar por aqui são quase nulas, e eu sinceramente não sei mais o que fazer, tudo que era possível eu já fiz.
Então, tenho apenas duas opções, ou simplesmente fico sentando aguardando uma morte lenta e dolorosa, ou acabo com o meu sofrimento agora mesmo, fiquei pensando bastante sobre isso antes de escrever essa carta, e depois de refletir muito, já tenho a minha decisão tomada.
Por isso digo oficialmente que essas serão minhas últimas palavras ditas para o mundo, que no momento que eu encerrar de escrever essa carta, eu darei fim a minha vida. E a única esperança que me resta agora é de que um dia meu corpo seja encontrado e que meus entes um dia saibam do que aconteceu comigo, o que infelizmente eu não tenho certeza nenhuma.
Você que está lendo esta carta pode ser concretização da minha esperança, ou a concretização do meu medo, que é de ter meu corpo apodrecendo nesse local pelo resto da eternidade.
Se for o primeiro caso, peço para que mostrem essa carta para a minha família, que digam a todos eles que eu sempre os amei, e peço também para que cremem meus restos mortais. E meu último pedido, é para que investiguem o filho da puta do Dupre, eu descansarei em paz se souber que esse maldito pagará pelo o que está fazendo comigo.
E se for o segundo caso, eu simplesmente lhe passo o meu profundo pesar, como eu disse anteriormente, não lhe restam mais esperanças, odeio ter que lhe dizer isso, mas após o término desta carta você terá que fazer uma importante escolha, a mesma que eu tive que fazer, ou você esperará a morte chegar de forma lenta e dolorosa, ou então você acaba com isso tudo o mais rápido possível.
E fazendo isso, torço para que o seu destino não seja igual ao meu, que no futuro não muito distante alguém descubra o que aconteceu não só com você, mas também comigo.
Mas de uma forma ou de outra, peço para que tome essa decisão atenciosamente, e que você se prepare bem psicologicamente bem para isso, caso não tenha como fazer que nem eu fiz e escrever você próprio uma carta, deixe essa mesma a qual você está lendo próxima aos seus restos mortais, quem sabe um dia ela não seja lida por alguém que possa mostrar ao mundo o que aconteceu aqui, né?
Desejo-lhe toda a sorte do mundo, e todas as forças possíveis, não só para você, mas também para os seus familiares, que Deus esteja com todos vocês.
E Dupre, se por algum acaso você ler esta carta, e tenha chegado até essa linha a qual eu escrevo, saiba que um dia você pagará pelo o que está fazendo comigo, e espero que esse dia não demore, e que seja doloroso para você da mesma forma que está sendo doloroso para mim, morra no inferno, seu velho filho da puta.
E assim encerro esse meu longo depoimento, se você for alguém que possa mostrar essa carta para o mundo e divulgar o que aconteceu aqui, desejo pra você e para todo o resto toda a paz possível, fiquem com Deus.
Assinado pela última vez, Richard.
---FIM DA CARTA---

Charlie estava perplexo com aquilo tudo que ele leu, após fechar a carta, ele começou a refletir um pouco sobre aquilo tudo, e chegou a conclusão de que tudo aquilo fazia sentido, inclusive as partes em relação ao velho Dupre. Ele não sabia se sentia raiva, se chorava, se entrava em desespero, ou se simplesmente não fazia nada e aceitava o seu destino, durante esse meio tempo ficou se perguntando inúmeras vezes: “Será que realmente eu nunca sairei daqui?”
Não havia mais esperanças, aquele era o fim, mais uma vez o filho da puta do Dupre venceu, aquele velho maldito. Charlie olhou bem para os resto que ainda haviam do esqueleto-que-ali-jazia, e dessa vez não o olhou mais de forma assustada, e sim com pena.
Com pena de pensar que provavelmente os seus familiares nunca souberam o que aconteceu com ele, com pena porque ele não teve o direito de ter um enterro digno, com pena em ver que ele passará toda a eternidade naquele inferno de lugar, e ao mesmo tempo se sentia desesperado ao perceber que o seu destino era o mesmo dele.
Uma das coisas que Charlie mais temia era morrer sem aqueles que ele ama saberem o que aconteceu com ele, e ao que parecia, esse medo iria se concretizar. Começou a pensar na Jennifer, tentava imaginar o como ela estava nesse momento, com certeza, preocupada.
Também começou a lembrar dos seus últimos momentos com ela, o como ela agiu naquele dia, o seu ar de preocupada, como se soubesse que alguma coisa ruim iria acontecer. Lembrou-se do seu último abraço, um daqueles abraços que diziam algo para você, e nesse caso simplesmente dizia: “Não vá, fique aqui comigo.”
Uma lágrima começou a escorrer dos olhos de Charlie, cada vez mais ele tinha ciência de que nunca mais veria Jen de novo, nunca mais iria beijá-la, nem abraça-la, não iria ter o casamento perfeito com ela, e nem imperfeito, simplesmente não a teria mais ao seu lado, e isso o entristecia muito.
Não demorou muito para ele desatar no choro, seu ódio pelo velho Dupre aumentava cada vez mais, sua maior vontade era de arrombar a porta do andar de alguma forma e esganar aquele zelador maldito.
Charlie precisava fazer uma escolha, ou ele sentaria a esperaria a morte de braços aberto, ou mantinha a sua falsa esperança de que alguém aparecerá para ajuda-lo, ou então dava fim a sua vida.
Já não havia mais sanidade dentro dele, os sons estranhos ficaram cada vez mais altos em sua cabeça, não fazia ideia de onde eles vinham, e quando os mesmos se misturavam com os sons da tempestade que caia lá fora, Charlie tinha vontade de gritar até não poder mais.
- PAREM, PAREM, POR FAVOR! – esbravejava – CALEM A BOCA POR UM MINUTO, É TUDO QUE EU PEÇO.
Mas não havia ninguém falando.
Charlie estava perto de tomar sua decisão, e mesmo hesitando por alguns instantes, ele tinha certeza de que era aquilo que queria. Não aguentaria esperar sentado pela morte, e também não era mais tão inocente a ponto de achar que conseguiria sair daquele local com vida, então só lhe havia uma última opção...
O que levava a outra pergunta: Como ele faria isso?
Inicialmente pensou em usar o isqueiro de David, mas ele não tinha nada inflamável consigo e o mesmo já estava praticamente sem gás após ser utilizado para a longa leitura da carta do esqueleto-que-ali-jazia.
Procurou algo que estivesse próximo ao esqueleto que fosse útil, algo que provavelmente o mesmo teria usado para tirar a própria vida, mas nada do tipo foi encontrado. A cabeça de Charlie estava tão agoniada que ele nem se deu o trabalho de pensar o como o Richard teria se matado e o que ele teria usado.
Foi então que se lembrou da tábua que utilizou para matar o rato, ela ainda estava por ali, se lembrou que a mesma tinha a ponta de um prego solta, com certeza serviria, seria até mais eficaz.
Começou a procurar pela tábua, a falta de luminosidade não ajudava muito, já não tinha mais o auxílio do isqueiro, o que lhe restava era apenas os relâmpagos que vez ou outra iluminavam o quarto por algumas frações de segundos. Em um desses curtos momentos de iluminação que Charlie conseguiu avistar a tábua próxima ao que ainda restava do rato, e assim, se rastejando foi em direção ao mesmo.
Quando a alcançou, analisou-a com atenção mais uma vez, por mais que estivesse decidido ainda hesitava bastante, aliás, ninguém nunca está pronto para a morte, seja ela como for. E mais uma vez Charlie voltou a pensar na Jennifer, mas dessa vez não apenas nela, mas também no David, na sua família, em todo o pessoal da livraria, no Richard, e claro, no velho Dupre.
Via o rosto de Jen em sua cabeça chorando, isso estava o deixando mais louco do que já estava, queria mandar essas lembranças embora, mas não conseguia, ele simplesmente queria acabar com aquilo logo da maneira mais rápida e menos dolorosa possível.
Mas esse era o porém, ser doloroso ou não, imaginava na sensação daquele prego atravessando a sua garganta e sentia um calafrio só de pensar, Charlie queria fazer aquilo, mas ao mesmo tempo também não queria.
Ouvia a voz da Jen em sua cabeça o mandando ser forte, mas se questionava se ainda tinha forças pra isso, se nem ao menos estava conseguindo arrumar forças para acabar com o próprio sofrimento. E depois de alguns minutos com esse conflito interno em sua cabeça, Charlie falou baixo para si mesmo:
- Desculpe Jen, mas não há outra saída... – deu uma pausa, tentava segurar as lágrimas, mas não conseguia – desculpe mesmo, querida, eu te amo muito. – continuou
E tendo arrumado as forças que precisava, Charlie pegou a tábua, apontou o prego para a sua garganta, e assim começou a perfura-la. A dor era infernal, mas já estava sendo feito, não havia mais como voltar atrás, ele também não queria, iria seguir em frente com aquilo de uma forma ou de outra. Após perfurar profundamente a garganta, começou a fazer um corte de uma lateral à outra do pescoço.
À medida que ia sentindo o sangue escorrendo em sua roupa, também via seus sentidos irem embora aos poucos. Escutava um alto zunido em seus ouvidos, sua visão começou a ficar embaçada, a movimentação do seu corpo ia embora aos poucos, sua força diminuía a cada gota de sangue derramada.
Até que chegou o momento em que não tinha mais força para segurar a tábua, que tinha finalizado o longo corte em seu pescoço, e assim a soltou, fazendo com que o sangue jorrasse cada vez mais da sua garganta e que caísse no chão. Naquele momento, Charlie já tinha conhecimento de que aquela morte não seria rápida e indolor, aliás, sentia isso na pele, foi uma das últimas coisas que se passou pela cabeça quando ainda lhe restava um pouco de consciência.
Charlie deitou de bruços, e sua última visão foi a janela daquele maldito quarto, onde via a tempestade ainda caindo sobre Londres, aos poucos os sons dos trovões foram sendo abafados, oitenta por cento da sua visão tinha sido perdida, e sua respiração estava parando aos poucos.
Em suas últimas tentativas de manter os olhos abertos, Charlie teve a impressão de ver várias pessoas ao seu redor o observando, se fosse dar um palpite, diria eram os fantasmas de todas as vítimas daquele lugar maldito, e agora ele tinha se tornado um deles, e lá eles estavam para lhe dar as boas vindas.
Foi então que Charlie finalmente tinha se dado conta, seu fim tinha chegado. Suas forças finalmente acabaram, e assim ele fechou os olhos e caiu nos braços da morte.

EPÍLOGO

E essa foi à trágica história de Charlie, um jovem que ao tentar descobrir os mistérios da história do prédio nº 50 da Praça Berkeley, se tornou uma parte dela, mas diferentes de boa parte delas, a sua não foi contada após gerações, simplesmente porque até hoje ninguém sabe do seu envolvimento com ela.
E mesmo após isso tudo, ainda há várias perguntas a serem feitas, entre elas, o que aconteceu com os conhecidos de Charlie? Eles foram a sua procura? Como o Dupre escondeu as pistas de que Charlie ainda estava no prédio? E muitas outras.
Mas o fato é que sim, foram à procura de Charlie, na verdade, ainda estão procurando ele, Jennifer estranhou quando acordou na manhã seguinte e não o viu em casa, sendo assim ela ligou para David perguntando por ele.
David falou que Charlie teria ficado até tarde na livraria, mas não disse o porquê para ela, ficou com receio achando que Jen teria raiva dele por isso.
Naquele mesmo dia, David falou com todos os funcionários da loja perguntando por Charlie, nenhum deles soube responder. Ele também foi perguntar para o velho zelador, principalmente porque ele mora ali e com certeza daria uma certeza, mas certamente ele negou ter o visto, porém, David não engoliu isso.
Rapidamente, Jen acionou a polícia para procurar Charlie, e David insistiu para que eles investigassem mais profundamente o velho Dupre, e assim eles fizeram. Quando o interrogaram, o zelador negou ter visto Charlie em qualquer momento naquela noite, e disse que poderia provar através das câmeras de seguranças da Praça Berkeley.
Quando todos foram ver o vídeo, eles viram exatamente o Charlie saindo da loja embaixo da tempestade daquela noite, indo em direção a sua casa, e todos aqueles que o conheciam puderam garantir que era ele naquele vídeo.
Nem os cães farejadores encontraram algum rastro do Charlie, nem mesmo quando passaram pela escada que leva ao último andar do prédio. Os dias passaram, até a polícia encerrar as buscas.
Jennifer ainda tem esperanças de um dia reencontrar Charlie ainda com vida, mesmo tendo passado quase um mês desde o seu desaparecimento, e desde então ela não tem conseguido dormir direito se perguntando o que possivelmente teria acontecido com ele, Jen desde então não conseguiu mais ser feliz, muitos o davam como morto, mas esperança era tudo que lhe restava.
E o que aconteceu com as coisas que Charlie tinha deixado dentro da loja? Simples, o velho Dupre as jogou na lareira, o casaco e o guarda-chuva, ele foi cuidadoso para não deixar nenhuma pista que o incriminasse.
Agora, por que ninguém ouviu os barulhos que Charlie fazia no último andar? Ninguém tem uma resposta certa para isso, apesar de que a noite, alguns moradores dos arredores da praça relataram ter ouvido vários barulhos estranhos vindo do prédio a noite, mas não deram muita importância, já que isso é a coisa mais normal vindo de lá, mesma coisa em relação aos funcionários da livraria que também ouviram esses estranhos ruídos.
Mas o fato mais intrigante é que, mesmo depois de um mês, essas pessoas continuam ouvindo esses mesmos ruídos vindo do último andar do prédio, e a cada dia eles ficam mais fortes, mais incômodos e mais assustadores.
Certamente, há outras várias perguntas em abertos, muitas delas cuja resposta nós nunca teremos, os mistérios daquela maldita casa durarão para sempre, e nenhum homem vivo será capa de desvenda-los.
E enquanto ao pobre Charlie, ele passou a ser mais uma das almas penadas que assombram o prédio nº 50 da Praça Berkeley. Ele nunca mais foi encontrado, e seus restos mortais permaneceram no último andar do prédio por toda a eternidade.

Fim