sábado, 13 de junho de 2015

A história de um simples gato

Era mais um sábado em que eu estava indo para o meu treino de kung-fu na Federal, a minha disposição naquele dia não estava das melhores, tinha passado por uma semana puxada na faculdade e isso sem falar que estava chovendo pra caramba, o que tirava ainda mais a minha vontade de sair de casa, ainda mais se tratando de um sábado, mas de uma forma ou de outra eu tinha que ir, era questão de compromisso.
Almocei na casa do meu pai naquele sábado, como já é de costume, fiquei um pouco por lá mesmo depois de ter comido e esperei dar a hora do treino. Estava chovendo bastante naquela tarde, meu pai até me questionava sobre se eu iria treinar mesmo com aquele tempo, mas isso não seria empecilho, não seria a primeira vez em que treinaria na chuva.
Quando deu a hora, troquei de roupa e peguei o ônibus para lá, a chuva felizmente estava mais fraca quando eu estava indo para a parada, apesar de ainda ter dado aquele chuvisco fino, mas nada que fosse fazer alguém perder a cabeça.
Foram 15 minutos para o ônibus chegar e mais ou menos o mesmo tempo para ele chegar no seu destino. Tempo o suficiente para a chuva parar de vez, pra minha sorte, já que eu não tinha um guarda-chuva comigo naquela hora, que era um grande erro meu, sei bem disso.
Chegando lá, mais uma vez fui recebido alegremente por Chola, que veio feliz correndo em minha direção, e eu, como sempre, retribui o carinho dela, ela estava um pouco molhada por causa da chuva, mas eu não me importei muito com isso, aliás, nunca me importava. Mais uma vez eu fui o primeiro a chegar no local, então enquanto isso eu fiquei brincando um pouco com Chola.
Mas de repente, eu reparei em um som estranho, era um miado vindo da rampa de entrada da caixa d'água (o espaço onde a gente treina), não que gatos não fosse uma coisa normal pela Federal, muito pelo contrário, você encontra bastantes por lá, tanto quanto cachorros, sendo que esse miado em específico era mais baixo, mais "indefeso", se é que vocês conseguem entender o que eu quero dizer com isso.
Quando eu olhei, eu vi aquele pequena criatura branca subindo a rampa, e quando eu falo "pequena" não é exagero, era um simples filhotinho de gato, na hora em que o avistei eu estava sentado em um banco com Chola fazendo um carinho nela, e nesse momento ela própria estava distraída, e assim eu esperava que continuasse, porque ela normalmente fica latindo que nem uma retardada pra qualquer outro animal que passa pelo local, e se tratando de um filhote de gato eu não esperaria uma reação diferente.
Levantei lentamente para não chamar a atenção de Chola e fui vagarosamente em direção do gato, ao mesmo tempo me perguntava o que aquela pobre criatura estava fazendo sozinho por ali, e olhando de longe o coitado ainda parecia está bastante magro, o que era mais preocupante ainda.
Quando eu me aproximei dele, Chola reparou na movimentação e foi ver o que estava acontecendo, e certamente viu o pobre gato, sendo que na cabeça dela, aquele pequeno filhote era um invasor no seu território, então ela começou a latir que nem uma retardada, pra variar.
E isso, certamente, assustou o pobre coitado, que correu para de baixo de um carro que estava ali próximo. Tive receio dela acabar realmente indo pra cima dele, mas eu conhecia aquela cachorra, vez ou outra era chata pra cacete, mas nunca fazia nada, como diz o ditado, cão que ladre não morde.
- CHOLA, PARA COM ISSO! - gritei
Mas não surtiu nenhum efeito (surpresa seria se surtisse, essa cachorra só me ouve quando quer), e o pobre do gatinho continuava embaixo do carro completamente assustado. Dada as circunstâncias, eu tive que utilizar um artifício cujo eu preferiria não usar, mas infelizmente era necessário, que era ameaçar Chola. Peguei um pedaço de madeira que estava no chão e ameacei de joga-lo nela caso ela não deixasse o gato em paz, o que deu certo, ela se assustou e se afastou.
Eu não fiquei nada feliz em ter feito isso, mas era a única maneira que tinha de fazer ela largar do pé do filhote, e deixando claro que mesmo que não funcionasse, eu nunca iria agredir Chola, eu prefiro me dar cinquenta chibatadas nas costas do que fazer isso.
Tendo Chola se afastado finalmente, eu me abaixei para observar o gatinho, mesmo com o "perigo" tendo sido afastado ele ainda estava muito assustado.
- Calma, está tudo bem, ninguém vai te machucar. - falei bem baixinho tentando acalma-lo, o que parecia não adiantar muito.
Eu queria tirá-lo dali e coloca-lo em um local "seguro", que no caso séria longe de Chola, e se eu tivesse sorte, com alguma coisa pra ele comer. Mas ele parecia não confiar em mim, ainda me olhava com desconfiança, sendo assim provavelmente teria que me arrastar para tirar ele dali, me sujaria um pouco, mas era por uma boa causa.
Felizmente ele não estava em um ponto do carro muito distante, então não precisei me arrastar tanto, o gato ainda parecia um pouco receoso, tentou se afastar de mim enquanto eu me aproximava, até que em um momento eu consegui pegá-lo.
Foi aí que eu pude perceber que realmente, o coitado estava muito magro, dava pra sentir um pouco de seus ossos. Chola apenas observava a cena de longe, eu conhecia bem aquela criatura, sabia que ela não iria largar do pé do gato tão fácil assim, tanto que quando eu tentei o levar pra distante dela, ela nos seguiu.
Por sorte eu achei um cantinho não muito longe dali que tinha um pouco de ração pra gato (há algumas pessoas no local que deixam ração para os animais do local), então o coloquei ali pra que ele comesse um pouco, e com uma certa dificuldade, ele o fez.
Estava claro que ele estava um pouco fraco, aliás, era apenas um filhotinho, com aquela idade era pra ele estar com a mãe e seus irmãozinhos ainda, a partir daí que comecei a me perguntar se o pobrezinho tinha se perdido da sua família ou se algum desalmado tinha o abandonado por lá.
E como eu disse anteriormente, Chola nos seguiu até ali, e mais uma vez ela ficou encarando o pequeno gatinho, e nem precisou eu falar nada pra ela voltar a latir que nem uma retardada e o coitado voltar a ficar assustado, houve até um momento em que ela correu pra cima dele e ele saiu correndo em desespero.
E mais uma vez meus gritos pra que ela parasse não adiantaram de nada. Então o gatinho ficou se escondendo atrás da árvore, e Chola ainda ficou na espreita, mesmo sabendo que normalmente ela nunca faz nada, fiquei com medo de que dessa vez fosse diferente e a cachorra resolvesse atacar o pobre coitado.
Continuei gritando insistentemente pra que Chola o deixasse em paz, mas ela ainda não me escutava, continuava rosnando para o pobre do gatinho.
A salvação foi que nessa hora o meu mestre chegou, ele estava vindo de bicicleta para o local do treino e viu a cena, após encosta-la, veio na direção do local e chamou Chola, e dessa vez ela ouviu. Suponho que ela tenha ido em direção do mestre mais pra cumprimenta-lo do que pelo fato de que ele "mandou", Chola nunca foi muito de obedecer ordens, aliás, eu que o diga.
Depois de levar Chola para longe do local, o mestre veio me cumprimentar, eu tinha pego o gatinho novamente e o colocado de volta perto da ração, e depois que viu que estava tudo bem novamente ele voltou a comer.
Então aproveitei para perguntar ao mestre se ele como esse gato tinha ido parar ali.
- Provavelmente mais um caso de abandono, ele apareceu por aqui mais ou menos essa semana. - disse ele
Eu olhei pro gato mais uma vez, e falei:
- Mas só deixaram ele aqui? Ele não é de nenhuma ninhada?
- Provavelmente sim, mas ninguém viu nenhum outro que séria provavelmente algum irmão dele.
E cada vez mais crescia a dó que eu estava sentindo daquele gato, um filhote daquele tamanho não pode ficar sozinho dessa forma, ele fica bastante vulnerável.
- Não tem ninguém que possa leva-lo para casa? - perguntei
- Bom, se ele está ai até agora, provavelmente não... - falou meu mestre - eu até levaria, mas não tenho condições.
Se tinha uma coisa bastante perceptível no meu mestre era a afeição que ele tinha por gatos, só não tinha um realmente por causa da sua condição financeira.
Após isso, deixamos o gato ali comendo sozinho e fomos para a caixa d'água esperar dar a hora do treino, e naquele momento alguns pingos de chuva começaram a cair do céu.
Pouco tempo depois o pessoal começou a chegar e o treino começou de baixo de uma fina chuva, mas que não demorou muito para engrossar, porém, mesmo assim o treino continuou normalmente, e quando a mesma passou foi a gente que acabou "enxugando" um pouco o chão da caixa d'água.
Tudo ocorria dentro do normal, o treino estava de arrancar o nosso couro, e Chola, pra variar, vez ou outra entrava no meio atrapalhando um pouco a gente, mas quando não estava fazendo isso ou ficava deitada no banco ou ficava perambulando por ai.
Até que na primeira pausa do treino para tomar água, eu vi mais uma vez aquela pequena coisa branca e peluda subindo pela rampa da caixa d'água, e Chola nessa hora estava deitada por ali por perto, no mesmo instante ela se levantou e foi na direção dele já preparada para latir.
O gato que antes caminhava tranquilamente, passou a ficar preocupado quando Chola se aproximou, e o resultado não foi diferente, ela voltou a encher o saco dele, e o pobrezinho mais uma vez correu para de baixo do carro, não demorou muito para o mestre afasta-la dali.
Ele se abaixou, pegou o gatinho e o levou novamente para aquele mesmo local onde eu tinha o deixado, mas não demorou muito para o danado aparecer na rampa de novo, sendo que dessa vez demorou um pouco para Chola incomoda-lo de novo, mas quando ela subiu a rampa, vocês já podem imaginar o que aconteceu, como eu disse, Chola quando quer consegue ser chata pra cacete.
E meio que ficou nisso durante todo o treino, até chegar no ponto da gente não tentar mais afasta-la do gato (principalmente porque tinha horas que nem dava pra fazer isso, estávamos concentrados no exercício), por tanto, nosso critério era, a não ser que Chola realmente tentasse machucar o gato a gente não interveria mais.
Até que chegou uma hora que Chola resolveu se aquietar um pouco e deixar o pobre do gatinho em paz, talvez por cansaço, ou sei lá. Ela foi perambular um pouco por ai e o gato finalmente conseguiu um cantinho pra ficar quieto descansando um pouco, e daquele momento em diante eu já não conseguia mais me concentrar no treino, vez ou outra olhava pro gatinho preocupado com ele.
E mais uma vez veio a chuva (naquele dia ela ia e vinha constantemente), a gente mais uma vez teve que se molhar bastante e o gatinho, felizmente, estava em um cantinho abrigado, mas ele ainda assim aparentava estar assustado, provavelmente com medo de Chola aparecer novamente.
A chuva passou mais uma vez e o treino chegava no seu fim, quando o sol estava perto de adormecer por entre as nuvens, o mestre chamou todo para sentarem e falou algumas coisas importantes sobre a academia para a gente, mesmo momento em que Chola reapareceu e se juntou a nós, e o o pobre gatinho continuava ali naquele cantinho.
Quando o treino finalmente se deu por encerrado já eram umas seis e pouca da tarde, todos estávamos super cansados e querendo apenas chegar em casa e tomar um bom banho. Eu terminei minha água, cumprimentei o mestre, cumprimentei o pessoal, fiz um carinho em Chola (que na hora estava deitada aproveitando o quentinho de uma luz que tinha ali) e segui meu caminho até a parada de ônibus.
Mas nesse caminho, mais uma vez eu avistei o pobre gato, dessa vez apenas perambulava por ai procurando não sei o que, provavelmente só explorando a área, e a pena que eu sentia dele aumentava cada vez mais. E claro, fiquei cada vez mais tentado a levar ele pra casa, mas o problema disso era que minha mãe nunca me deixou ter um cachorro por uma razão, e isso certamente também valia para gato.
Certamente ela não iria gostar de ver que eu tinha levado um gato que estava na rua para casa, bem capaz de colocar eu e ele para fora, mas mesmo com isso tudo, não tinha coragem de deixar o pobrezinho ali sozinho, estava completamente vulnerável. E assim eu comecei a bolar alguns "planos" para que eu conseguisse levá-lo la para casa, alguns eram bem doidos, até, mas o fato é que eu não resisti, peguei ele e o levei comigo. Armei bem minha mochila para que ele pudesse ficar confortável nela, aliás, não dava pra ficar o levando no braço até em casa.
Foi no caminho até em casa que consegui analisa-lo melhor, ele estava muito fraco, era preocupante, então decidi que mesmo que eu não conseguisse ficar com ele, eu ia arrumar alguém que pudesse cuidá-lo. Pra isso eu precisava de uma ajuda, tanto pra um caso quanto pra outro, sendo assim, no caminho pra casa fiquei falando com Júlia (minha ex-namorada que mora no meu prédio), principalmente porque lembrei que ela própria tinha uma gata, então qualquer coisa ela poderia cuidar dele.
Nas mensagens eu não dei muitas informações, só pedi pra que ela me encontrasse no térreo do prédio e que lá eu explicaria tudo melhor, e deixei claro que precisava da ajuda dela nisso. Quando finalmente cheguei no prédio, Júlia já estava lá no sofá do térreo me esperando, após abraça-la, me sentei com ela, expliquei a história toda e lhe mostrei o gato.
Ela certamente ficou encantando por ele, veio com o clássico "own, que coisa mais fofa" e o pegou no braço para acaricia-lo.
Então eu comecei a explicar toda a situação.
- Eu não podia deixar ele lá sozinho, olha o seu tamanho, era pra ele está com alguém.
- Eu sinceramente espero que seja lá quem abandonou essa coisa linda por lá morra no inferno. - disse Júlia, revoltada.
- Também queria entender isso. - falei
- Mas sua mãe vai te deixar ficar com ele?
- Sinceramente? - falei - Muito pouco provável, mas eu vou tentar convencê-la.
- E se ela não deixar?
- Amanhã mesmo tentarei arrumar alguém que possa ficar com ele, mas ainda assim eu terei que tentar convencê-la a deixa-lo ficar só por essa noite.
- E se ela também não deixar isso?
Respirei fundo, e me preparei pra falar o que seria uma ajuda importante da parte dela.
- Ai no caso eu te pediria pra ficar com ele só por essa noite.
- Mas... - Tentou falar Júlia já questionando.
- Veja... - falei interrompendo ela - você já tem uma gata, já os recursos pra conseguir mantê-lo por uma noite, já é alguma coisa.
- Mas é por isso mesmo, eu já tenho uma gata e que já dar muito trabalho, meus pais ficariam doidinhos, isso sem falar que ela é ciumenta pra caramba. - falou Júlia - é até por isso que eu mesma não o adoto.
- Mas só por uma noite, Júlia, uma noite, é só o que eu peço, depois disso deixa comigo que eu cuido do resto.
Júlia ficou um pouco pensativa, mas no fim acabou aceitando.
- Ok, só por essa noite.
- Obrigado mesmo, Júlia. - falei - e se tudo der certo, isso nem será necessário.
- Assim esperamos.
E assim eu pedi pra que Júlia aguardasse com o gato ali pelo térreo, que eu ia subir pra tomar um banho rápido e tentar conversar com a minha mãe sobre isso, e que enquanto isso pedi pra que ela ficasse brincando com ele pelo pátio do prédio, e também tirei uma foto dele já pra mostrar como ele é pra minha mãe se necessário.
Então eu subi até em casa, e quando cheguei a primeira coisa que eu fiz foi cumprimentar minha mãe e minha irmã, depois tomei uma água e fui tomar um rápido banho.
Logo após me arrumar me preparei para ter a dura conversa com a minha mãe, não ia ser fácil, eu estava ciente disso.
Irei resumir tudo para não me prolongar muito, realmente, a reação inicial dela não foi das boas, fez muitos questionamentos de se eu cuidaria bem dele (ela nunca confiou em mim em relação a isso), mostrei a foto dele pra ela, disse as condições em que ele está, que parecia que não tinha ninguém que quisesse ou pudesse leva-lo para casa, dei minha palavra de que eu cuidaria bem dele, que arcaria com as despesas que ele traria, e inclusive falei que o levaria no veterinário logo no dia seguinte pra ver se ele tem alguma doença (o que eu faria de qualquer forma independente de eu conseguir ficar com ele ou não).
Mas de uma forma ou de outra, papo vai, papo vem, e depois de muito lenga-lenga, eu consegui convencê-la, claro, ela deu as condições todinhas, e coisa e tal, mas o importante era que eu tinha conseguido.
E eu estava realmente comprometido a cuidar dele, principalmente porque minha mãe também disse que se visse que a coisa não tivesse dando certo ela me obrigaria ou a dá-lo pra outra pessoa cuidar, ou para um abrigo de animais.
Mas fim das contas, tudo estava certo, naquela noite o melhor era ele ficar na casa da Júlia, já que ela tinha os recursos, e no dia seguinte eu o levei no veterinário e comprei uma parte do material necessário para cuidar dele (ração, tigelo pra por a comida, caixa de areia, enfim).
Inclusive, com a ajuda de Júlia, escolhemos um nome para ele, daquele dia em diante ele passou a se chamar Riddle.
Eu poderia encerrar a história agora, mas tenho uma forma melhor pra isso, que foi uma coisa que ocorreu no outro dia, eu estava sentado pra variar no meu computador fazendo as minhas coisas, então o pequeno Riddle entrou no me quarto e começou a se roçar nas minhas pernas, sendo assim eu o peguei, o coloquei no meu colo e comecei a lhe fazer um carinho. Nesse momento só se ouvia ele ronronando, e vez ou outra ele lambia carinhosamente a minha mão, era uma coisa muito linda de ser ver.
A partir dali, se começava uma grande e forte amizade entre um homem e um animal.


Brian

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