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Havia uma loja de roupas não muito longe dali, quando a
gente voltou pro centro foi à primeira coisa que a gente viu. Entrei lá e
peguei qualquer trapo que coubesse no meu corpo, já infelizmente, o banho não
foi possível, não achamos nenhum local com um chuveiro que funcionasse, então
eu tive que cheirar a coisa morta por um bom tempo.
Depois de quase uma hora caminhando, a gente já estava longe
o suficiente do shopping, ao longe ainda se via a fumaça saindo dele cada vez
mais acinzentada, o que estava chamando à atenção dos zumbis nos arredores, no
caminho a gente viu bastante deles indo em direção ao shopping.
Eram quase quatro da tarde, eu e Dylan decidimos que seria melhor
a gente acampar por ali, não era seguro ficar na estrada durante a noite, então
começamos a procurar um local seguro pra nos acomodar.
Avistamos um prédio não muito grande, tinha apenas 5
andares, então decidimos ficar por lá. Com as armas em mãos, entramos
calmamente no edifício sempre checando se não havia algum zumbi pela área. O
máximo que achamos foram dois zumbis feridos no estacionamento, sendo um deles
uma criança, ambos estavam sem uma das pernas, Dylan abateu um com a sua
machete e eu abati a criança com o pé-de-cabra.
Logo em seguida fomos pras escadas, antes de subirmos, Dylan
deu uma chutão na lixeira que provavelmente ecoou pelos 5 andares do prédio,
esperamos um pouco, e assim que confirmamos que não havia nenhum zumbi ali,
subimos.
Eu ia entrando logo no primeiro andar se Dylan não tivesse
continuado a subir.
- Aqui já tá bom, não? – perguntei
- Não... – respondeu ele – vamos até o último.
- Você tá falando sério? – perguntei indignado
- Sim, porque lembre-se, quanto mais alto, menos chances de
aparecer um zumbi na nossa porta.
Não tinha engolido aquilo, mas aceitei porque era o jeito.
Quando chegamos ao quinto andar eu já estava exausto, aliás,
não havia outra palavra que me definisse melhor naquele momento do que “exaustão”,
definitivamente aquele não tinha sido um dia fácil.
Só havia um apartamento por andar, tentamos abri-lo
normalmente, mas estava trancado, então Dylan pegou impulso e deu um chutão na
porta a arrombando, esperando alguns segundos a espera de algum zumbi e depois
entramos com as armas em mãos.
- Olhe todos os cômodos. – mandou Dylan
- Certo!
O apartamento não era muito grande, olhamos cada cômodo e
cada buraco possível a procura de qualquer zumbi, nenhum foi encontrado, sendo
assim nos encontramos na sala.
- E aí? – perguntou Dylan
- Tudo limpo! – respondi
- Ficaremos aqui essa noite então... – falou ele jogando
suas coisas no sofá – pode escolher um quarto, eu me acomodarei no sofá mesmo.
Eu escolhi um quarto que parecia ser do filho da família que
morava ali, o colchão não estava nas melhores condições, mas já era alguma
coisa, deixei minhas coisas no chão e fui da uma olhada mais aprofundada na
casa.
Ao que parecia, naquela casa morava uma família de quatro
pessoas, o pai, a mãe, e dois filhos, sendo eles um casal, provavelmente o
garoto era mais velho e a menina a caçula, pelas coisas que tinham em seu
quarto provavelmente ele tinha entre 16 e 18 anos, e fazendo a mesma avaliação
com a garota a probabilidade é que ela tinha entre 12 e 14 anos. Mas era tudo
que dava pra supor, não havia mais fotografias naquela casa, provavelmente eles
levaram todas quando fugiram o que era normal, já que com o caos que esse mundo
tinha se tornado uma das únicas coisas que ainda davam pra manter intactas eram
as lembranças, boas e ruins.
- Jonnatan! – ouvi Dylan chamar
Então voltei pra sala pra ver o que ele queria.
- Não vai comer? – perguntou ele com um sanduíche de peixe
na mão – depois disso tudo você deve estar faminto.
E ele estava certo, peguei o sanduíche, me sentei ao lado
dele e comecei a comer. Dylan aproveitou o momento pra acender um dos malditos
charutos que quase me mataram, eu certamente odiava o cheiro daquilo, mas ainda
assim eu não reclamava, meu pai também fumava, eu já tinha aprendido a suportar
aquilo há um bom tempo.
- Agora... – falou Dylan dando uma baforada do seu charuto –
você ainda não me contou tudo que aconteceu naquele shopping.
- Bom... – e assim eu o contei todos os detalhes do que
aconteceu lá, principalmente do meu plano pra conseguir passar pelos zumbis sem
ser percebido.
Depois que terminei de falar, Dylan disse:
- Caramba, muito bem pensando.
- Obrigado!
- Sério, se sujar com tripa de zumbi e fingir que é um
deles, isso é uma coisa que nunca me passou pela mente antes... – falou ele –
ah, se eu tivesse pensando nisso antes, teria me poupado de tanto trabalho em
tantas situações.
Dylan deu mais uma tragada no seu charuto e olhou pra
janela, já estava escurecendo, e daquele apartamento a gente conseguia ver o
clarão causado pelas chamas vindo do shopping.
- Você fez um belo de um estrago, pelo visto. – disse ele
- Concordo!
Provavelmente se um dia eu voltasse a pisar no Rio, aquele shopping
não estaria mais lá.
Depois de alguns instantes sem ninguém falar mais nada, eu
terminei o meu sanduíche e Dylan apreciava seu charuto. Era quase seis da
noite, as estrelas já apareciam no céu junto com uns poucos feixes de luzes
solar, e enquanto isso o incêndio do shopping iluminava um pouco mais a cidade,
e da mesma forma se ouvia os zumbis na rua, na noite eles eram mais ativos, por
isso que o cuidado tinha que ser redobrado.
Foi então que houve um momento que eu olhei pra Dylan, e vi
ele tirando algo do bolso, ele provavelmente não percebeu que eu estava vendo,
no instante eu reconheci o que era aquilo que ele tinha em mãos, era a foto que
eu tinha achado no quarto de hóspedes, ele a olhava atentamente, provavelmente
lembrando dos momentos que passou com eles.
- Dylan? – falei
E no mesmo instante ele se assustou e guardou a foto
rapidamente.
- Não adianta esconder, eu vi o que você tinha ai.
- Não sei do que você está falando. – disse ele confuso
- Sabe sim, não minta pra mim.
Ele ainda se recusava a falar.
- Dylan... – falei com paciência – uma vez eu olhei o
criado-mudo do quarto de hóspedes e achei essa foto ai que você está
escondendo.
Ele não pareceu feliz em ouvir aquilo.
- É a sua família, né?
Com muita relutância, ele respondeu:
- Sim!
Então eu respirei fundo, e disse:
- Cara, já faz 1 mês desde que você me encontrou naquela
mata, e eu me lembro bem que quando eu lhe perguntei sobre a sua história
naquele dia, você disse que isso ficaria pra uma outra oportunidade, lembra?
Com receio, Dylan respondeu:
- Sim!
- Bom... – falei – quando você disse isso, eu não falei nada
e nem enchi seu saco sobre isso, certo?
- Certo!
- Mas você não acha que você já me deve isso?
Depois de alguns segundos pensando, claramente irritado com
aquilo, Dylan respondeu:
- Acho!
E depois de alguns instantes, ele continuou:
- Mas eu quero que você entenda antes... – ele realmente não
estava confortável por estar falando aquilo – que não é fácil pra mim ficar
relembrando de certos momento.
- Eu imagino... – falei – mas esconder seus sentimentos não
muda o fato de você tê-los.
Ele ainda parecia muito receoso em relação aquilo, mas
falou:
- Tá certo... – falou ele – lhe contarei tudo!
E assim ele começou seu depoimento:
“Acho que devo começar dando um pequeno resumo da minha
infância, então vamos lá:
Eu vivi e cresci numa fazenda no interior de Minas Gerais,
fui o tipo de garoto que vivia solto no mundo e que aprontava muito, meu pai
era bastante ausente por causa dos negócios, e minha mãe nunca foi do tipo mais
atenciosa, ou seja, minha vida toda eu tive que me virar sem eles.
E como você bem sabe, aos 19 anos eu servi um ano no
exército, que foi onde eu aprendi a ser forte e ter resistência, assim como
também aprendi nos meus treinamentos de kung fu. Depois de cumprir o meu dever
com a pátria, eu foquei em estudar pro vestibular e cursar uma boa faculdade de
administração, o que eu consegui naquele mesmo ano, pode até não parecer, mas,
eu era um aluno dedicado.
Sendo que no meu segundo ano de faculdade meu pai faleceu,
então eu tive que trancar o curso pra poder dirigir os negócios dele, o que eu
sinceramente odiava. A última coisa que eu queria era passar o resto da minha
vida atrás de um balcão de um mercado que mal dava lucro e atolado em dívidas,
mas infelizmente aquele era o nosso ganha-pão.
Até que um dia, a situação ficou tão difícil, que tivemos
que vender a fazenda e nos mudar pro Rio, e infelizmente o mercado também não
se sustentou e foi à falência. No Rio, eu e minha mãe passamos a viver de favor
na casa de uma tia e tivemos que trabalhar na loja de tecidos dela.
Foi uma das piores épocas da minha vida, mas também foi ai
que conheci a pessoa mais importante na minha vida, a minha mulher, Paola. Ela
era uma cliente constante da loja, sempre acompanhava sua avó até lá, e eu
sempre ficava a admirando do balcão, quando eu estava nos meus piores dias
vê-la sorrindo sempre alegrava meu dia, me dava uma ótima sensação de
tranquilidade.
Por mais ou menos 3 meses eu apenas apreciava de longe seus
longos cabelos castanhos, sonhando alto, até que um belo dia eu tive a chance
de conhece-la melhor. Eu tive a felicidade de encontra-la no mesmo bar que eu
estava na Lapa numa sexta-feira a noite, era a oportunidade perfeita pra fazer
contato, fiquei nervoso, de fato, mas felizmente deu tudo certo, desde aquele
dia viramos bons amigos.
Depois de 6 meses de amizade eu finalmente tive coragem de
me declarar pra ela e pedi-la em namoro, e pra minha felicidade ela aceitou.
Era a iniciativa que eu precisava pra voltar pra faculdade e sair das asas da
minha tia.
Depois de 3 anos eu finalmente me formei em administração,
saí da casa da minha tia, e aluguei um apartamento com a Paola, e na mesma
época eu a pedi em casamento. Casamo-nos 1 ano depois e pouco depois disso ela
ficou grávida do meu único filho, Michel, que nasceu 9 meses depois lindo e saudável,
até aquele momento eu estava com a vida que pedi a Deus, mas só até aquele
momento.
Foi então que essa maldita epidemia começou e o caos foi
instaurado, meu Michel já tinha 12 anos, e estava completamente assustado com
aquilo tudo, assim eu e Paola decidimos nos afastarmos da cidade até que tudo
se acalmasse, consegui uma sniper pra mim, peguei o antigo revólver do meu pai
e fomos pra antiga casa de campo da família dela, que é a mesma casa em que
estamos no momento.
E por lá vivemos juntos por mais ou menos 4 meses, vivendo
na mais pura tensão. E no quarto mês desde que fomos pra lá, meu filho estava
andando pelo lado de fora da casa, desobedecendo a uma ordem dada por mim e
pela mãe dele, sendo que na hora eu estava caçando e Paola lavando roupa.
Em um momento que Michel estava correndo atrás de um sapo,
um zumbi o surpreendeu, ele era só um garoto, não sabia o que fazer numa
situação dessas, e isso acabou o matando. Paola correu pro lado de fora da casa
quando viu o zumbi em cima dele, conseguiu lhe acertar um tiro na testa, mas já
era tarde, Michel já tinha sido mordido.
Quando eu ouvi o tiro voltei pra casa o mais rápido
possível, e quando cheguei no quintal tive a triste surpresa de ver Michel
sangrando nos braços de Paola, ele ainda estava vivo, mas por um fio. Aproximei-me
dela e ela me contou tudo que aconteceu, e ainda mantivemos as esperanças de
que nosso filho conseguiria sobreviver, que certamente foi em vão, depois de
cinco minutos agonizando, ele se foi.
Eu e Paola nos desatamos em choro, não há dor pior do que a
perda de um filho, quando fui pegar a pá pra enterra-lo, Paola ficou sozinha
com ele, e quando eu estava lá dentro que eu me lembrei de um detalhe
importante, a transformação. Corri em
direção ao quintal com a arma na mão, e ao chegar lá eu vi Michel em pé
novamente, sendo que não era mais ele, já estava transformado.
E para piorar ele estava indo em direção de Paola, e ela, transtornada,
estava de braços abertos pra ele achando que era realmente ele. Tentei
avisa-la, mas já era tarde, ela tinha sido mordida no pescoço, e nesse momento,
rapidamente tirei Michel de cima dela e meti a machete em sua testa. Paola
gritou em desesperou, eu tentei acalma-la, mas de nada adiantava, nem eu
conseguia ficar calmo.
E pouco depois, Paola se foi, e o que mais me doía é que ela
morreu com o pensamento que eu tinha matado o nosso filho, depois de sua morte
eu não perdi tempo, lhe dei um último abraço, peguei o revólver da cintura dela
e lhe dei um tiro na cabeça. Definitivamente aquele foi o pior dia da minha
vida.
Os enterrei atrás da casa, e com o passar do tempo o túmulo
deles ficaram cobertos com a plantação local. Daquele dia em diante eu nunca
mais fui à mesma pessoa, nunca mais encontrei a felicidade, e assim passei a
viver sozinho nesse mundo, e dedico cada dia que eu consigo me manter vivo pra
Paola e Michel, pra que eles saibam, seja onde eles estiverem, que eu ainda os
amo muito, e que nunca deixarei de ama-los.”
[Fim do depoimento]
(continua)
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