terça-feira, 29 de julho de 2014

O Mundo Devastado 2 - Parte 7*

*Esse conto não tem nenhuma relação com o Brian
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Havia uma loja de roupas não muito longe dali, quando a gente voltou pro centro foi à primeira coisa que a gente viu. Entrei lá e peguei qualquer trapo que coubesse no meu corpo, já infelizmente, o banho não foi possível, não achamos nenhum local com um chuveiro que funcionasse, então eu tive que cheirar a coisa morta por um bom tempo.
Depois de quase uma hora caminhando, a gente já estava longe o suficiente do shopping, ao longe ainda se via a fumaça saindo dele cada vez mais acinzentada, o que estava chamando à atenção dos zumbis nos arredores, no caminho a gente viu bastante deles indo em direção ao shopping.
Eram quase quatro da tarde, eu e Dylan decidimos que seria melhor a gente acampar por ali, não era seguro ficar na estrada durante a noite, então começamos a procurar um local seguro pra nos acomodar.
Avistamos um prédio não muito grande, tinha apenas 5 andares, então decidimos ficar por lá. Com as armas em mãos, entramos calmamente no edifício sempre checando se não havia algum zumbi pela área. O máximo que achamos foram dois zumbis feridos no estacionamento, sendo um deles uma criança, ambos estavam sem uma das pernas, Dylan abateu um com a sua machete e eu abati a criança com o pé-de-cabra.
Logo em seguida fomos pras escadas, antes de subirmos, Dylan deu uma chutão na lixeira que provavelmente ecoou pelos 5 andares do prédio, esperamos um pouco, e assim que confirmamos que não havia nenhum zumbi ali, subimos.
Eu ia entrando logo no primeiro andar se Dylan não tivesse continuado a subir.
- Aqui já tá bom, não? – perguntei
- Não... – respondeu ele – vamos até o último.
- Você tá falando sério? – perguntei indignado
- Sim, porque lembre-se, quanto mais alto, menos chances de aparecer um zumbi na nossa porta.
Não tinha engolido aquilo, mas aceitei porque era o jeito.
Quando chegamos ao quinto andar eu já estava exausto, aliás, não havia outra palavra que me definisse melhor naquele momento do que “exaustão”, definitivamente aquele não tinha sido um dia fácil.
Só havia um apartamento por andar, tentamos abri-lo normalmente, mas estava trancado, então Dylan pegou impulso e deu um chutão na porta a arrombando, esperando alguns segundos a espera de algum zumbi e depois entramos com as armas em mãos.
- Olhe todos os cômodos. – mandou Dylan
- Certo!
O apartamento não era muito grande, olhamos cada cômodo e cada buraco possível a procura de qualquer zumbi, nenhum foi encontrado, sendo assim nos encontramos na sala.
- E aí? – perguntou Dylan
- Tudo limpo! – respondi
- Ficaremos aqui essa noite então... – falou ele jogando suas coisas no sofá – pode escolher um quarto, eu me acomodarei no sofá mesmo.
Eu escolhi um quarto que parecia ser do filho da família que morava ali, o colchão não estava nas melhores condições, mas já era alguma coisa, deixei minhas coisas no chão e fui da uma olhada mais aprofundada na casa.
Ao que parecia, naquela casa morava uma família de quatro pessoas, o pai, a mãe, e dois filhos, sendo eles um casal, provavelmente o garoto era mais velho e a menina a caçula, pelas coisas que tinham em seu quarto provavelmente ele tinha entre 16 e 18 anos, e fazendo a mesma avaliação com a garota a probabilidade é que ela tinha entre 12 e 14 anos. Mas era tudo que dava pra supor, não havia mais fotografias naquela casa, provavelmente eles levaram todas quando fugiram o que era normal, já que com o caos que esse mundo tinha se tornado uma das únicas coisas que ainda davam pra manter intactas eram as lembranças, boas e ruins.
- Jonnatan! – ouvi Dylan chamar
Então voltei pra sala pra ver o que ele queria.
- Não vai comer? – perguntou ele com um sanduíche de peixe na mão – depois disso tudo você deve estar faminto.
E ele estava certo, peguei o sanduíche, me sentei ao lado dele e comecei a comer. Dylan aproveitou o momento pra acender um dos malditos charutos que quase me mataram, eu certamente odiava o cheiro daquilo, mas ainda assim eu não reclamava, meu pai também fumava, eu já tinha aprendido a suportar aquilo há um bom tempo.
- Agora... – falou Dylan dando uma baforada do seu charuto – você ainda não me contou tudo que aconteceu naquele shopping.
- Bom... – e assim eu o contei todos os detalhes do que aconteceu lá, principalmente do meu plano pra conseguir passar pelos zumbis sem ser percebido.
Depois que terminei de falar, Dylan disse:
- Caramba, muito bem pensando.
- Obrigado!
- Sério, se sujar com tripa de zumbi e fingir que é um deles, isso é uma coisa que nunca me passou pela mente antes... – falou ele – ah, se eu tivesse pensando nisso antes, teria me poupado de tanto trabalho em tantas situações.
Dylan deu mais uma tragada no seu charuto e olhou pra janela, já estava escurecendo, e daquele apartamento a gente conseguia ver o clarão causado pelas chamas vindo do shopping.
- Você fez um belo de um estrago, pelo visto. – disse ele
- Concordo!
Provavelmente se um dia eu voltasse a pisar no Rio, aquele shopping não estaria mais lá.
Depois de alguns instantes sem ninguém falar mais nada, eu terminei o meu sanduíche e Dylan apreciava seu charuto. Era quase seis da noite, as estrelas já apareciam no céu junto com uns poucos feixes de luzes solar, e enquanto isso o incêndio do shopping iluminava um pouco mais a cidade, e da mesma forma se ouvia os zumbis na rua, na noite eles eram mais ativos, por isso que o cuidado tinha que ser redobrado.
Foi então que houve um momento que eu olhei pra Dylan, e vi ele tirando algo do bolso, ele provavelmente não percebeu que eu estava vendo, no instante eu reconheci o que era aquilo que ele tinha em mãos, era a foto que eu tinha achado no quarto de hóspedes, ele a olhava atentamente, provavelmente lembrando dos momentos que passou com eles.
- Dylan? – falei
E no mesmo instante ele se assustou e guardou a foto rapidamente.
- Não adianta esconder, eu vi o que você tinha ai.
- Não sei do que você está falando. – disse ele confuso
- Sabe sim, não minta pra mim.
Ele ainda se recusava a falar.
- Dylan... – falei com paciência – uma vez eu olhei o criado-mudo do quarto de hóspedes e achei essa foto ai que você está escondendo.
Ele não pareceu feliz em ouvir aquilo.
- É a sua família, né?
Com muita relutância, ele respondeu:
- Sim!
Então eu respirei fundo, e disse:
- Cara, já faz 1 mês desde que você me encontrou naquela mata, e eu me lembro bem que quando eu lhe perguntei sobre a sua história naquele dia, você disse que isso ficaria pra uma outra oportunidade, lembra?
Com receio, Dylan respondeu:
- Sim!
- Bom... – falei – quando você disse isso, eu não falei nada e nem enchi seu saco sobre isso, certo?
- Certo!
- Mas você não acha que você já me deve isso?
Depois de alguns segundos pensando, claramente irritado com aquilo, Dylan respondeu:
- Acho!
E depois de alguns instantes, ele continuou:
- Mas eu quero que você entenda antes... – ele realmente não estava confortável por estar falando aquilo – que não é fácil pra mim ficar relembrando de certos momento.
- Eu imagino... – falei – mas esconder seus sentimentos não muda o fato de você tê-los.
Ele ainda parecia muito receoso em relação aquilo, mas falou:
- Tá certo... – falou ele – lhe contarei tudo!
E assim ele começou seu depoimento:
“Acho que devo começar dando um pequeno resumo da minha infância, então vamos lá:
Eu vivi e cresci numa fazenda no interior de Minas Gerais, fui o tipo de garoto que vivia solto no mundo e que aprontava muito, meu pai era bastante ausente por causa dos negócios, e minha mãe nunca foi do tipo mais atenciosa, ou seja, minha vida toda eu tive que me virar sem eles.
E como você bem sabe, aos 19 anos eu servi um ano no exército, que foi onde eu aprendi a ser forte e ter resistência, assim como também aprendi nos meus treinamentos de kung fu. Depois de cumprir o meu dever com a pátria, eu foquei em estudar pro vestibular e cursar uma boa faculdade de administração, o que eu consegui naquele mesmo ano, pode até não parecer, mas, eu era um aluno dedicado.
Sendo que no meu segundo ano de faculdade meu pai faleceu, então eu tive que trancar o curso pra poder dirigir os negócios dele, o que eu sinceramente odiava. A última coisa que eu queria era passar o resto da minha vida atrás de um balcão de um mercado que mal dava lucro e atolado em dívidas, mas infelizmente aquele era o nosso ganha-pão.
Até que um dia, a situação ficou tão difícil, que tivemos que vender a fazenda e nos mudar pro Rio, e infelizmente o mercado também não se sustentou e foi à falência. No Rio, eu e minha mãe passamos a viver de favor na casa de uma tia e tivemos que trabalhar na loja de tecidos dela.
Foi uma das piores épocas da minha vida, mas também foi ai que conheci a pessoa mais importante na minha vida, a minha mulher, Paola. Ela era uma cliente constante da loja, sempre acompanhava sua avó até lá, e eu sempre ficava a admirando do balcão, quando eu estava nos meus piores dias vê-la sorrindo sempre alegrava meu dia, me dava uma ótima sensação de tranquilidade.
Por mais ou menos 3 meses eu apenas apreciava de longe seus longos cabelos castanhos, sonhando alto, até que um belo dia eu tive a chance de conhece-la melhor. Eu tive a felicidade de encontra-la no mesmo bar que eu estava na Lapa numa sexta-feira a noite, era a oportunidade perfeita pra fazer contato, fiquei nervoso, de fato, mas felizmente deu tudo certo, desde aquele dia viramos bons amigos.
Depois de 6 meses de amizade eu finalmente tive coragem de me declarar pra ela e pedi-la em namoro, e pra minha felicidade ela aceitou. Era a iniciativa que eu precisava pra voltar pra faculdade e sair das asas da minha tia.
Depois de 3 anos eu finalmente me formei em administração, saí da casa da minha tia, e aluguei um apartamento com a Paola, e na mesma época eu a pedi em casamento. Casamo-nos 1 ano depois e pouco depois disso ela ficou grávida do meu único filho, Michel, que nasceu 9 meses depois lindo e saudável, até aquele momento eu estava com a vida que pedi a Deus, mas só até aquele momento.
Foi então que essa maldita epidemia começou e o caos foi instaurado, meu Michel já tinha 12 anos, e estava completamente assustado com aquilo tudo, assim eu e Paola decidimos nos afastarmos da cidade até que tudo se acalmasse, consegui uma sniper pra mim, peguei o antigo revólver do meu pai e fomos pra antiga casa de campo da família dela, que é a mesma casa em que estamos no momento.
E por lá vivemos juntos por mais ou menos 4 meses, vivendo na mais pura tensão. E no quarto mês desde que fomos pra lá, meu filho estava andando pelo lado de fora da casa, desobedecendo a uma ordem dada por mim e pela mãe dele, sendo que na hora eu estava caçando e Paola lavando roupa.
Em um momento que Michel estava correndo atrás de um sapo, um zumbi o surpreendeu, ele era só um garoto, não sabia o que fazer numa situação dessas, e isso acabou o matando. Paola correu pro lado de fora da casa quando viu o zumbi em cima dele, conseguiu lhe acertar um tiro na testa, mas já era tarde, Michel já tinha sido mordido.
Quando eu ouvi o tiro voltei pra casa o mais rápido possível, e quando cheguei no quintal tive a triste surpresa de ver Michel sangrando nos braços de Paola, ele ainda estava vivo, mas por um fio. Aproximei-me dela e ela me contou tudo que aconteceu, e ainda mantivemos as esperanças de que nosso filho conseguiria sobreviver, que certamente foi em vão, depois de cinco minutos agonizando, ele se foi.
Eu e Paola nos desatamos em choro, não há dor pior do que a perda de um filho, quando fui pegar a pá pra enterra-lo, Paola ficou sozinha com ele, e quando eu estava lá dentro que eu me lembrei de um detalhe importante, a transformação.  Corri em direção ao quintal com a arma na mão, e ao chegar lá eu vi Michel em pé novamente, sendo que não era mais ele, já estava transformado.
E para piorar ele estava indo em direção de Paola, e ela, transtornada, estava de braços abertos pra ele achando que era realmente ele. Tentei avisa-la, mas já era tarde, ela tinha sido mordida no pescoço, e nesse momento, rapidamente tirei Michel de cima dela e meti a machete em sua testa. Paola gritou em desesperou, eu tentei acalma-la, mas de nada adiantava, nem eu conseguia ficar calmo.
E pouco depois, Paola se foi, e o que mais me doía é que ela morreu com o pensamento que eu tinha matado o nosso filho, depois de sua morte eu não perdi tempo, lhe dei um último abraço, peguei o revólver da cintura dela e lhe dei um tiro na cabeça. Definitivamente aquele foi o pior dia da minha vida.
Os enterrei atrás da casa, e com o passar do tempo o túmulo deles ficaram cobertos com a plantação local. Daquele dia em diante eu nunca mais fui à mesma pessoa, nunca mais encontrei a felicidade, e assim passei a viver sozinho nesse mundo, e dedico cada dia que eu consigo me manter vivo pra Paola e Michel, pra que eles saibam, seja onde eles estiverem, que eu ainda os amo muito, e que nunca deixarei de ama-los.”


[Fim do depoimento]

(continua)

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