quarta-feira, 30 de julho de 2014

O Mundo Devastado 2 - Parte 8/Final*

*Esse conto não tem nenhuma relação com o Brian
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Quando Dylan terminou de contar tudo, ficou claramente perceptível o esforço que ele fez pra não chorar, não tinha dúvidas que era difícil pra ele estar falando daquilo.
- Sinto muito, cara.
- Não sinta! – falou ele
Comecei a me sentir mal por ter pedido pra ele falar aquilo tudo, nunca o vi tão abatido.
- Bom... – falou ele – essa é a minha história.
- Desculpa por te fazer relembrar isso tudo.
- Besteira, não precisa se desculpar... – disse ele – você está certo, esconder os sentimentos não muda o fato que eu os tenho.
Então ele acendeu outro charuto daquela maldita caixa que eu peguei pra ele.
- Vou aproveitar pra lhe dar mais uma lição. – falou
- Fale!
- Como você deve ter ouvido bem, o que matou a minha esposa foi à piedade que ela teve com o meu filho quando ele se transformou em zumbi.
- Certo! – falei
- Por isso a lição é a seguinte... – ele tentava segurar uma lágrima no olho dele enquanto falava – se caso você ache algum ente querido por ai que tenha virado zumbi, não hesite em mata-lo, porque você pode ter até piedade dele, mas ele não terá de você, principalmente que não será mais ele naquele corpo, e sim um monstro cujo instinto principal dele é atacar qualquer coisa viva que aparecer na frente.
Ele ainda se esforçava pra não chorar, deu mais uma tragada em seu charuto e tentou relaxar.
- Eu sei como é... – falei – já tive que passar por uma situação do tipo.
- Como foi o seu caso? – perguntou ele dando mais uma tragada no charuto.
- Bom, aconteceu umas semanas após meu pai ter morrido, um dos primeiros locais que eu procurei com a esperança de achar alguém foi a casa da minha avó, desde que tudo tinha começado que eu não tinha notícias dela. – fiz uma pausa, e continuei  - quando cheguei na casa dela eu vi que estava tudo abandonado, mas ainda assim resolvi checar o lado de dentro...
- E deixa-me adivinhar... – interrompeu Dylan – achou ela lá dentro transformada em zumbi?
- Certo!
- E qual foi a sua reação?
- Por um instante eu pensei em hesitar, mas depois que ela veio correndo até mim, não tive outra reação diferente de tacar o pé-de-cabra na cabeça dela.
- E depois de ter feito isso?
- Veio o desespero, não só pelo fato dela estar morta, mas também porque aquilo era a confirmação de que eu estava sozinho no mundo.
- Entendo... – falou Dylan, após da outra tragada no charuto – mas você se arrepende do que fez?
- Não!
- Você sabia que era o mais correto a se fazer?
- Sim, é o que mais me tranquiliza.
- Ótimo, continue assim.
Depois nós dois ficamos calados por alguns instantes, eu ainda me sentia mal por ter causado aquilo tudo, e Dylan, certamente, pior ainda. Mas foi então que eu me lembrei de uma última pergunta que ainda me martelava a cabeça, não sabia se era uma boa ideia fazê-la, mas também não ficaria tranquilo se eu não tivesse a resposta.
- Dylan?
- Fala!
- Se não for pedir muito, posso lhe fazer uma última pergunta?
- Manda!
Respirei fundo, pensei novamente se aquilo era uma boa ideia, e assim finalmente falei:
- Por que você me salvou?
Dylan estranhou a pergunta.
- Por que você simplesmente não me deixou naquela mata pra morrer? – continuei
Ele parecia não saber exatamente o que dizer, ficou um bom tempo de cabeça baixa provavelmente pensando no que ia falar. E depois de pensar bastante, ele finalmente disse:
- Por esperança...
Acho que eu compreendia um pouco do que ele queria dizer.
- Como eu te falei quando a gente se conheceu... – continuou – até certo tempo eu achei que não havia mais ninguém por ai a não ser eu, da mesma forma que você achou, e quando te achei eu simplesmente tive a esperança de que há muito mais pessoas por ai, sobrevivendo, que nós não somos os últimos.
Foi praticamente a mesma coisa que eu senti quando o encontrei.
- Eu conheço bem essa sensação... – respondi – me senti da mesma forma.
- E por isso... – continuou ele – fiz contigo o que eu não fiz nem com a minha mulher e nem com o meu filho, que foi te ensinar a sobreviver.
- Como assim? – perguntei
- O máximo que eu ensinei pra Paola foi como usar uma arma, e só, mas digamos que se eu tivesse morrido antes dela eu tenho certeza que ela não iria conseguir sobreviver no mundo lá fora, nem ela e nem meu filho.
Ele ainda tentava não chorar.
- Eu achei que conseguiria protege-los, mas eu me enganei.
Ele deu uma última tragada no charuto, o apagou e depois jogou fora, e então continuou:
- E por isso que eu fiz todos esses treinamentos contigo, todos esses testes, pra que na pior das hipóteses você saiba o que fazer e consiga se manter vivo, por isso também todas as lições que te ensinei.
E depois disso ficamos calados de novo, até o momento que eu disse:
- Obrigado, cara... – mesmo depois que ele me salvou eu não cheguei e falar isso pra ele – obrigado por ter me salvo, e obrigado por tudo isso que você tem feito por mim.
- Não precisa me agradecer. – disse ele
- Preciso sim, isso sem falar que eu não fiz isso quando você me salvou, já estava te devendo.
Ele me deu um pequeno sorriso, e depois disse:
- Não foi trabalho nenhum, saiba disso.
E depois de uma pausa, Dylan falou:
- Agora chega desse drama todo e vamos dormir.
- Estou sem sono. – falei
- Mas eu estou... – disse ele – pode dormir a hora que quiser, mas ainda assim te acordarei cedo amanhã.
- O quão cedo?
- Cinco horas.
- Está certo então!
- Boa noite! – disse Dylan se acomodando no sofá
- Boa noite! – respondi
Dylan não demorou muito pra cair em sono profundo, eu ainda fiquei 40 minutos andando pela casa, pensando em coisas aleatórias, até finalmente ir dormir.
No dia seguinte, Dylan me acordou exatamente às 5 horas da manhã, comemos algumas frutas que eu tinha trago e logo após seguimos caminho em direção a praia, mais uma vez tivemos que ser cautelosos no caminho, não foram poucas o número de vezes que vimos zumbis pelo caminho, e também houve as vezes que tivemos que matar alguns.
E depois de uma hora e meia de caminhada, finalmente chegamos à praia, ainda tivemos que andar por mais 25 minutos pelo calçadão até avistar a pick up. Quando nos aproximamos dela, Dylan se virou pra mim e disse:
- Jonnatan...
- Oi?
Ele parecia meio sem jeito pra falar aquilo, mas pediu:
- Posso da uma olhada na sua mochila?
- Pra quê? – perguntei
- Depois eu explico, só me entregue por agora.
- Ok então! – mesmo confuso, entreguei minha mochila pra ele.
Dylan a pegou e entrou na traseira da pick up, e eu apenas o observei de longe, mas ainda assim deu pra ver que ele também tirava umas coisas da mochila dele e colocava na minha, e eu simplesmente não entendi o que estava acontecendo.
- Ok, Dylan... – gritei – só espero que você me explique o que tá acontecendo.
- Fica frio! – falou ele ainda dentro da pick up.
Quando ele finalmente saiu da pick up com a minha mochila, ele não estava com uma cara muito feliz, ele tava com aquela expressão fácil de quem iria dá uma má notícia.
- A gente precisa conversar. – disse ele
Eu fiquei assustado.
- Você tá me assustando, Dylan, o que tá acontecendo?
- O que tá acontecendo é que... – ele hesitou por um instante, mas disse – você não voltará pra casa comigo.
- Como assim? – perguntei surpreso.
Dylan respirou fundo, e disse:
- Lembra de tudo que eu disse ontem?
- Sim! – falei
- Pronto, há uma coisa que eu não mencionei.
- O que?
Eu estava ficando muito assustado com aquilo.
- Que aquilo tudo, os treinamentos, os teste, foram tudo uma preparação pra eu te soltar no mundo.
- Pera... – eu tentava acreditar no que eu estava ouvindo – você está me mandando embora?
- Não há maneira melhor de dizer isso, mas, sim, estou.
- Mas, por quê?
- Porque é o melhor pra nós dois.
Tentei falar mais algo, mas eu estava sem palavras.
- Vá por mim... – continuou Dylan – melhor que seja agora.
- Me explique o porquê.
- Ok, pois preste atenção porque essa vai ser uma das lições mais importantes que eu irei lhe ensinar.
E assim fiquei atento ao que ele ia dizer.
- No mundo em que vivemos hoje a principal regra de sobrevivência é simplesmente, não se apegar a nada e nem a ninguém, principalmente a aquilo que você sabe que pode perder.
“Na verdade sempre foi a regra mais importante” pensei
- E essa era a razão a qual eu nunca me abria com você, porque eu evitava me apegar, a última coisa que eu queria era te ver como um filho, eu quero que você continue pra mim como um simples garoto que eu ajudei uma vez, e é por isso que eu preciso te mandar embora.
Ele deu um suspirou, e voltou a falar:
- Também não quero que você me veja como um pai. – depois de mais um suspiro, ele continuou – desde que eu te achei naquela mata eu vi que você era forte, mas pra você conseguir sobreviver nesse mundo é necessário você ser muito mais, e eu o treinei pra isso, e depois desse último teste no shopping não me resta mais dúvidas de que você está pronto pra enfrentar o que a vida jogar em você.
Eu ainda estava sem palavras, estava difícil digerir aquilo tudo.
Até que eu finalmente disse:
- Então, desde que você me salvou naquela mata você já pretendia me soltar no mundo de novo?
- Sim... – respondeu ele – só precisava ter certeza de que você estava pronto, o que agora eu finalmente tenho.
Foi então que eu lembrei de um detalhe.
- Você fala pra não se apegar a nada, mas continua na mesma casa que você morou com a sua mulher e seu filho.
- Eu sei o que está pensando, e eu admito que esse é um erro meu. – falou – eu simplesmente não consigo me desfazer dela, da mesma forma que eu não consigo me desfazer da foto deles, é muito difícil pra mim.
Respirei fundo, e falei:
- Imagino como!
Depois de ficarmos calados por alguns instantes, Dylan entregou minha mochila e disse:
- Toma, coloquei algumas coisas ai que você poderá precisar e também munição o suficiente pra 1 mês, claro, se você economizar bem.
Peguei uma mochila, e dei uma checada em tudo que ele colocou.
- E antes que eu me esqueça... – falou ele indo em direção a pick up.
Observei de longe, e vi ele tirando algo de baixo do banco do passageiro, foi quando eu vi que era uma metralhadora.
- Acho que você também já está pronto pra usar uma dessas. – falou ele me entregando a arma – e tudo bem, também deixei munição o suficiente pra 1 mês.
Senti um pouco a arma, a apontei pro nada, puxei a trava e depois a coloquei nas costas, certamente eu teria uma boa oportunidade pra testa-la melhor.
- Bom... – falou Dylan – acho que isso é tudo, hora de partir.
Ele estendeu a mão pra mim e assim eu a apertei.
- Obrigado por tudo... – falei – foi bom lutar do seu lado.
Depois de largar a minha mão, Dylan disse:
- Por favor, me poupe desse sentimentalismo... – riu ele – simplesmente mande eu ir pro inferno.
Eu ri junto com ele.
Dylan foi andando em direção a sua pick up, e antes de entrar nela, ele se virou e falou:
- Uma última dica, não fique pela cidade, vá pro campo, como você pode ver, a concentração de zumbis aqui é muito grande.
- Assim farei! – respondi
- E também, nunca desista de lutar pela vida, por mais bosta que o mundo esteja, sempre tente sobreviver ou morra tentando.
- Eu não lhe decepcionarei!
- Assim espero! – falou ele abrindo a porta do carro
- Voltaremos a nos ver de novo? – perguntei
- Acho muito pouco provável, mas quem sabe?
Então ele entrou no carro, fechou a porta, e seguiu o caminho de casa, e eu fiquei parado observando a pick up desaparecer ao longo da estrada.
“Novamente sozinho...” pensei “...mas acho que ele estava certo, talvez seja melhor pra nós dois.”
Com esses pensamentos em mente eu dei meia volta e fui andando pelo calçadão, pra onde? Não fazia a menor ideia, simplesmente seguiria meu caminho e esperaria pra ver até onde ele iria.
No caminho eu me surpreendi quando achei um carro ainda inteiro, não era dos mais bonitos, mas já servia, e eu tinha as ferramentas pra liga-lo. Peguei o cabide que Dylan me deu e o usei pra abrir a porta pelo lado de fora, e com as ferramentas que ele deixou na minha mochila eu consegui ligar o carro, e dessa forma segui pra mais uma jornada nesse mundo devastado.
Enquanto a Dylan, depois daquele dia eu não tive mais notícias dele, talvez esteja morto, talvez esteja vivo, não sei. Mas eu realmente torço pra que ele esteja bem, o que eu imagino que esteja ele era durão, os zumbis precisariam ganhar inteligência pra conseguir abatê-lo.
E até hoje eu sou grato por tudo que ele me ajudou, e definitivamente se não fosse por ele, talvez eu não estivesse aqui pra contar essa história pra vocês. Ele me ajudou a criar um novo Jonnatan, mais seguro, mais forte, mais ágil, mais confiante, e o mais importante de tudo, muito mais determinado a lutar pela sobrevivência.
Muito obrigado Dylan, onde quer que você esteja, espero que esteja bem.



Fim.

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